domingo, 5 de agosto de 2012

Memórias

Lembranças de  Onça de Pitangui

           O sentido de Pátria é muito abrangente. O Brasil, por ser quase um continente,  com uma cultura vastíssima, é exemplo disso. Cada um vai associar o sentido de Pátria àquilo que mais lhe chama a atenção, que lhe é caro, que lhe emociona. Para mim, Pátria, entre outras coisas, é o berço,  a ancestralidade. Isso me leva, naturalmente, à minha terra, Onça de Pitangui. Não essa de agora, mas àquela de minhas lembranças. O ar, o cheiro, a essência são os mesmos, porém tudo está tão diferente. É certo que muita coisa mudou para melhor, no entanto, quando a vejo, busco rever o que está dentro de mim. Cada canto, cada detalhe, tão vivos nas lembranças, e se procuro, para reavivar essas imagens, já não encontro.
           Havia um lugar, perto da Igreja Matriz, chamado "Pacheco". Era um pedaço da rua margeado de moitas de bambus, enormes, densos, onde a vista não alcançava além, só se via bambu.  No alto, eles se  encontravam impedindo a passagem da luz do sol o que tornava sombrio o lugar . Além disso, numa das extremidades havia um córrego. Passava ali nos fundos da casa do Senhor Godofredo e Dona Cecília,  parentes meus. No quintal do Senhor Godofredo tinha um pé de laranja côca, as mais gostosas que já vi. Ele sempre dava as laranjas, mas era um problema para apanhar porque ele não deixava, de jeito nenhum, bater com a vara nos galhos. Essa variedade de laranja tem muitos espinhos e não tinha como  subir no pé, então, era complicado. Depois, o córrego entrava nos terrenos do Senhor Gumercindo, meu tio-avô, e pai do Geraldo, dono da Churrascaria Santa Cruz. O barulho da água era lindo mas isso tornava o lugar frio e úmido. Quando ventava, as folhas  faziam  um barulho, sussurrante que nunca mais ouvi em lugar algum. Para mim, esse era um lugar mágico. Eu não me aventurava passar por ele, sozinha, qualquer que fosse a hora do dia. E mesmo com alguém, eu andava olhando para trás morrendo de medo. Era comum, ao longo do caminho, encontrarmos montes de folhas secas. A vontade de chutar era irresistível. Quase sempre havia uma pedra escondida debaixo das folhas. Brincadeiras de algum menino  que passara antes, certamente mais corajoso a ponto de parar para juntar as folhas. Do lado da Igreja, ao terminar os bambus, começavam as flores. Eram flores simples, não me lembro do nome. Nasciam sozinhas, em certa época do ano. Ah, eu gostava de vê-las assim, tantas, tantas, de todas as cores!
           
           Na última vez que eu fui lá havia apenas uma moita de bambu. Mais nada. Mais nada. A Serra, defronte a Igreja, ainda existe. Majestosa, porém frágil   diante do Homem que tudo aniquila. Ainda assim, enfrenta, com coragem, o progresso que vai chegando. A amplidão que, embora tão criança,  eu percebia do adro da Igreja quando  olhava para a serra,  ainda existe. Essa amplidão, que resume Onça de Pitangui, eu posso abrir os braços e alcançá-la, toda, inteira, tamanho é o meu sentimento, o meu amor.  


Lécia Conceição de Freitas

Um comentário:

  1. Oi Tia Lécia!!! lindo texto...fiquei tentando imaginar a Onça, a Igreja a Serra e claro a Senhora quando criança, andando no mato, curtindo SUA ONÇA!!!

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