segunda-feira, 30 de julho de 2012

Verbalizando


Eu não sou uma pessoa noveleira. Eu vejo novelas somente quando estou em casa à noite. Nesses dias, de férias, estou tendo oportunidade de assistir o embate de Carminha e Rita. E, é claro, não estou gostando do modo como o autor está tramando a vingança da personagem no que diz respeito ao trabalho das empregadas domésticas. Se todo trabalho é digno, então por que o autor coloca esse trabalho como modo de vingança? Em uma de suas falas Rita diz à Carminha que ela é um traste, que não sabe fritar um ovo sequer. Na verdade não é fácil fritar um ovo. Um ovo bonito, estrelado, no ponto, não é para qualquer um. Todo mundo sabe que ser cozinheira, arrumadeira, dona de casa, enfim, não é fácil. Hoje há cursos de todo tipo para quem quer aprender e se especializar em qualquer uma dessas tarefas/profissões. Então do jeito que o autor coloca, eu acho que ele está diminuindo esse trabalho. E se alguém disser que as empregadas não são de confiança, kkkkkk: em todas as profissões existem pessoas não confiáveis. Realmente existem patroas que humilham, e muito, as empregadas, mas não é pelo trabalho que realizam: é porque são pessoas que se acham melhor que as outras. Pretensiosas, orgulhosas... coisas assim. O ser humano é tão insignificante!
           Eu já trabalhei em muitas casas. Tive patroas de todo tipo. Não me sinto menor por isso, pelo contrário. Eu me divirto quando me lembro de como as patroas e os filhos das patroas agiam comigo e com os outros empregados. Uma pobreza “de cabeça” de dar dó. De que adianta ter dinheiro? Limpar banheiro, desentupir vaso sanitário, esgoto de pia é nojento? Tem mau cheiro? Talvez ... Mas algum de vocês já sentiu o cheiro de um cadáver em decomposição? Pois é... Talvez os ricos pensem que só pobre dá mau cheiro. Ou, como diz o Padre Gabriel Bessa:"- tem gente que acredita que nem vai morrer! Mas a batata de todos está assando!"
           Ah, mas a Rita está pleiteando um quarto melhor para as colegas. Bobagem, o negócio é ser feliz. Tem gente que mora no luxo e nem por isso. Isso tem prá todo lado. Vejam só, em todas as escolas que conheço, existe a SALA DOS PROFESSORES. Eu não sei se acontece em todas as escolas, mas o fato é que as serviçais, quando podem, “comem” lá fora, junto com baldes e vassouras. Preconceito, discriminação tem prá todo lado e eu acho que todos temos algum. O que não pode acontecer é sermos dominados por ele.
           Eu, caros amigos do Face, sinto um prazer enorme quando consigo resolver um problema daqueles que citei lá atrás. Seja aqui em casa, ou na Creche onde eu trabalho e onde o serviço não pode parar porque tem dezenas de crianças para serem atendidas a tempo e hora. E eu sou pobre, mas sou limpa, com o nome limpo, etc. ect. E sou muito cheirosa. E não me importo por não ter dinheiro para comprar em lojas tipo O2, Casas Levi, lugares onde fui “quase” colocada pra fora. (Na loja Drops, meu filho foi convidado a sair, KKKKKK. Ô tristeza, a testa tá inchada de tanto chorar!)
           Voltando a falar sobre a novela: vingança já é uma coisa triste, desse jeito, então, é bem pior.

Preferências


Recomendo a todos que gostam, e precisam conviver com crianças, o livro "COMO AMAR UMA CRIANÇA", de Janusz Korczak . É um livro belo, sensível, perspicaz e pleno de amor. Korczak morreu em Treblinka, em 1942, junto com as 200 crianças do orfanato que ele dirigia em Varsóvia.
           ..."Você diz: "Meu filho."
          Quando , senão apenas durante a gravidez, você terá o direito de dizê-lo? A batida de um coração tão pequeno como o caroço de um pêssego faz eco no seu pulso. É a sua respiração que lhe fornece o oxigênio. Um sangue comum a você circula em ambos, e nenhuma destas gotas vermelhas sabe ainda se ela será sua ou dele, ou se, será derramada, será preciso que morra em sacrifício ao mistério da concepção e do nascimento. Este pedaço de pão que você está mastigando é material para a construção das pernas sobre as quais ele correrá , da pele que o recobrirá, dos olhos com os quais ele olhará o mundo, do cérebro onde o pensamento brilhará, das mãos que estenderá para você e do sorriso com o qual ele chamará "mamãe".
          Juntos vocês irão viver um momento decisivo; juntos sofrerão uma mesma dor. O despertador tocará: pronto.
          E vocês dirão ao mesmo tempo - ele: "Eu quero viver minha vida";e você "Viva a sua vida".
          Com poderosas contrações das suas entranhas você o expulsará sem se preocupar com o sofrimento dele, e ele abrirá o seu próprio caminho com força e decisão, também sem se preocupar com o sofrimento de sua mãe.
          Ato brutal.
          Na realidade, não. Você e ele executarão mil movimentos imperceptíveis, maravilhas de habilidade, de sutileza, a fim de que, tomando cada um a sua parte de vida, não tomem além do que é devido a cada um, segundo uma lei universal e eterna.
           - Meu filho.
           Não, nem nos meses de gravidez, nem nas horas de nascimento a criança não é sua..."


sábado, 28 de julho de 2012

Memórias

Minha Família, como não amar?!
Lécia Conceição de Freitas

- Alô, Liana?
- Oi, tá boa?
- Ah , eu não estou boa não. Quebrei um pau no ouvido.
- O quê? Como assim, você está surda?
- Não, quebrei um palito de fósforo no ouvido, estava coçando.
- Santíssimo Sacramento! E agora?
- Não sei não.
- Que foi, mãe? (Uma segunda voz no telefone).
- Sua tia quebrou um palito no ouvido.
- Vai ter que ir ao PA.
- Elaine falou que tem que ir ao PA.
- Fala com ela, pra ir se arrumando que eu vou passar para levá-la.(Uma terceira voz no telefone.)
- Não precisa, vou a pé.
- A gente se encontra lá então.
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- Será que é grave?
- Não é não, mãe
- E se o palito for para o cérebro?
- Que isso, mãe , não tem como!
-Como você sabe?
- Mãe, eu fiz Biologia, lembra ? Não tem como.
- A sua Biologia não sabe de nada. O palito vai andando lá dentro.
- Érica, não responde sua mãe!
- Viiiiiu, pai, viu. Vamos depressa então.
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No colégio:
- Alberto, sua tia ligou. É pra vocês irem embora. Sua mãe está no PA. Parece que é alguma coisa no cérebro.
- Ai meu Deus, vou avisar a Luhara!
- Luhara, a mãe está no PA. Deu alguma coisa no cérebro.
Um colega de sala está passando.
- Ô meu, aqui está a parte do meu trabalho. Não vai dar pra eu falar, a minha mãe está no PA, com alguma coisa no cérebro.
- Pô, cara, sinto muito. É grave?
- Tia Liana ligou, é pra gente ir ficar preparado porque se a mãe tiver que ir pra BH nós vamos pra casa dela.
- BH, por quê?
- Se tiver que operar...
- Ixe.
Outro colega:
- Entra aí, meu, vou levá-los de carro.
- Pô, cara, valeu.
- O que será que aconteceu com a mãe? Será que o véio apareceu e deu um pau nela?
-Cê  doido?! Deve ser derrame, ou aneurisma.
-Ixe.
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O colega chega na sala de aula:
- Ô turma, a mãe do Alberto está mal, no PA, está indo pra BH. Parece que está em coma.
- Nossa, vamos rezar um Pai Nosso! Coitado do Alberto e da Luhara!
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No PA:
- Todo mundo já chegou, menos a Lécia.
- Tá chegando, cadê o João?
- Vai saber...
- Como cê tá?
- Tô bem.
- Coitada, tá tão nervosa que não está dando fé de nada. Devia ter protegido o ouvido.
- De que, mãe?
- Da friagem.
- A mãe está pior que a tia Lécia, vai ficar doida qualquer hora.
O funcionário, do PA, vendo aquele tanto de gente:
- O que foi, algum acidente, é grave?
- Muito grave, minha irmã quebrou um palito deeeeesse tamanho no ouvido.
- Mas porque ela colocou um palito deeeeesse tamanho no ouvido?
- Prá coçar, o palito quebrou lá dentro.
- Nossa, que gente mais doida!
Depois de muito tempo e de muitas reclamações por causa da demora, chamaram a moribunda.
- Só pode um acompanhante, por favor.
- Assim não é possível, eu tenho direito, sou a irmã.
- Mãe, não convém, a sua pressão pode subir.
- Vai seu pai então.
- Acho que o papai não aguenta, nem eu.
- Os meninos não tem idade pra isso.
- Vai a Érica, ela  entende, é formada em Biologia!
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- E então doutora?
- Não tem nada aqui dentro.
- Mas não é possível, tem que ter!
- A médica lança um olhar furibundo e diz:
- Não tem nada aqui, a paciente está ótima e vocês podem ir embora.
- Mas não vai receitar nada?
- Se ela sentir qualquer coisa durante a noite, amanhã ela pode voltar.
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- Por isso que este país não vai prá frente, tinha que encaminhar pra BH, fazer um exame, talvez precise de cirurgia. Depois a Lécia morre com isso no cérebro, quero ver de quem vai ser a culpa.
- Calma, mãe.
E vão todos embora, frustradíssimos.
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- Qualquer coisa, vocês podem ligar,
- Não é melhor ela dormir lá em casa?
- Não precisa,  muito obrigada! Vou dormir em casa mesmo, estou bem.
- Amanhã você não vai trabalhar. Fica em casa de repouso.

          No dia seguinte, ela aproveita o feriado fora de hora e dorme até mais tarde. Quando levanta vê que a filha já fez quase tudo antes de ir trabalhar. Com cuidado, pra não balançar demais o ouvido, começa a varrer a cozinha. Aí então, lá no cantinho ela vê um pedaço de palito de fósforo quebrado assim meio que na diagonal. Igual ao pedaço que ficou na sua mão quando quebrou ao coçar o ouvido. Ela pega a bolsa e vai para o trabalho.
- Ué, você não estava passando mal do ouvido?!
- Já melhorei, era labirintite.
Achou melhor nem mencionar a palavra palito, senão vai ser motivo de chacota em todas as festinhas familiares e no trabalho.

        Qual desculpa  deu pra família?
-Ah, o palito deve ter dissolvido lá dentro. Ponto de cirurgia 
não dissolve?... Então,  com tanta preocupação
 é bem possível.

Este texto eu escrevi, para fazer uma pequena
 homenagem à minha família que está 
sempre presente em todos os momentos 
de minha vida. O caso é verídico; eu dei 
apenas uma floreada para criar o sentido
 de humor. 
Espero que gostem!

A menina e sua mãe



       Naquela manhã, a mãe parecia mais preocupada. A menina aprendera a identificar os sinais. A mãe, calada, passava a mão, seguidamente, na nuca e depois na testa. Como se quisesse tirar dali alguma ideia, uma solução... Além disso, a menina sabia que não tinham nada para acabar com aquela fome que lhe roía por dentro, já àquela hora da manhã. Como ela gostaria de poder ajudar, resolver todos os problemas da mãe... Se pudesse tirar das páginas da revista todas aquelas comidas gostosas, para ela e os irmãos... Talvez sua mãe sorrisse... Ficava tão bonita quando sorria!...
        Ela ouve a voz do irmão mais velho:
        - Mãe, tô com fome...
       A mãe não responde, não tem o que responder.  A menina sente raiva do irmão. Será que ele não percebe o desespero, a angústia da mãe?  Ela permanece ali no canto brincando com o irmãozinho, enquanto observa a mãe.
       De repente, a mãe se aproxima, pega o filho menor enganchando-o no quadril e diz aos outros dois:
       - Vocês peguem os dois paus do varal e venham atrás de mim. A mãe sai, rapidamente, com os dois filhos atrás tentando acompanhar seus passos. Depois de algum tempo eles param e a mãe entrega o menor à filha, dizendo-lhe:
       - Você fique aqui tomando conta do seu irmão.
       - O  que a senhora vai fazer?
       - Ali tem um pé de abóbora. Vou ver se acho alguma. Menino, pegue o pau para me ajudar, diz ela dirigindo-se ao filho mais velho.
       - Eu não quero ajudar, tô com medo de cobra. Olha o tamanho do capim...
       - Se não ajudar não come. A menina ouve aquilo e pergunta:
       - Mãe, eu tô ajudando, posso comer a parte dele?
       - Olha lá mãe, ela tá me insultando...diz o filho mais velho, quase chorando.
      -Todo mundo vai comer. Mas tem que ajudar, diz a mãe, apaziguadora, enquanto vai cutucando o capim meloso para afugentar alguma cobra ou outro animal que pudesse molestar a ela ou ao filho.
       - Achei, grita a mãe, mostrando aos filhos uma abóbora verdinha!
     A filha olha, primeiro, o rosto da mãe. A mãe está sorrindo! Vê seu rosto iluminar-se de felicidade e, então, a menina sente vontade de abraçar aquela abóbora! Junto a esse sentimento vem a alegria por saber que logo vão comer coisa. Aproxima-se da mãe e diz:
       - Ô mãe, essa abóbora com arroz vai ficar uma delícia, não vai, mãe?
      - A gente come a abóbora hoje. Outro dia, a gente come o arroz, responde a mãe, enquanto voltam apressadamente. No caminho encontram o avô que está indo para o sítio onde trabalha.
       - Onde ocês tava, pergunta o avô?
      - Nós fomos procurar uma abóbora, no pé que eu tinha visto, outro dia. Olha ela aqui, responde a mãe, mostrando a abóbora.
       - Ô minha filha, isso não é abóbora, é uma cabaça, diz o avô.
       - Não fala isso não, pai, nós não temos nada para comer. Oh, meu Deus, desespera-se a mãe!
          Nesse momento , a menina sente tudo de uma vez, como se estivesse em um redemoinho. E agora, como vão fazer? Percebe a decepção, o sofrimento da mãe. Queria inverter os papéis, pegá-la no colo, acalmá-la... Como num sonho ouve a voz do avô...
     - Espia aqui, filha. Tô levando o farelo "pros" pintinhos do patrão. Você pega um pouco, coa e apura o fubá. Daí faz um fubá suado. Vai dar para matar a fome.
A menina ouve aquilo num misto de alegria e tristeza. No seu coração ela jura pra si mesma:
      - Um dia eu vou crescer, vou trabalhar, e então nunca mais vamos sentir fome.

 Pará de Minas, 26 de maio de 2010

Lécia Conceição de Freitas

OS ANJOS DA VIDA DA GENTE

      Quando o pai dos meus filhos resolveu ir embora (e essa foi a melhor coisa que ele poderia ter feito), ele chamou o dono de uma loja de móveis usados e vendeu tudo que era nosso. Tudo. Sem fogão, sem camas, até para os meninos. É claro que chorei, é claro que me desesperei. Mas foi só por um momento. Arregacei as mangas e comecei a luta. Um passo de cada vez. Um dia de cada vez. Não havia expectativas. Não havia esperanças.
        Trabalhei dia e noite, noite e dia. Não havia tempo para ser mãe. Perdi muito da infância e adolescência dos meninos. Na verdade eles também não viveram essas fases. Não teve como. Não eram permitidos sonhos. Toda a energia era gasta em sobreviver.
 Devo dizer que aos poucos foram aparecendo os anjos. Todos aqueles que me ajudaram. Não dá prá dizer quantos. Eu costumo brincar que se ganhasse na MegaSena e fosse retribuir a todos  não sobraria nada. Havia uma senhora, Clarice, que ficava esperando os meus filhos no caminho da escola e lhes dava merenda. Ela era empregada doméstica como eu porém, tinha uma situação financeira melhor que a minha. Foi dessa maneira que eles conheceram iogurte, biscoitos recheados, essas coisas que as crianças gostam. Não posso me esquecer de Vera, que sempre me dava pão, leite... Minhas primas Marília e Lilia... Tantas,  tantas...
 Meu cunhado deu-me duas camas onde dormíamos os quatro. Era apertado e eu queria pelo menos mais uma cama. Era época de Natal e havia uma promoção na cidade – Natal dos Sonhos – que bastava escrever uma cartinha para o Papai Noel e ser sorteado para ganhar e realizar o seu sonho.  Eu mandei "nnnnnnn" cartas na esperança de ganhar a cama. Não ganhei. Na época trabalhava de doméstica na casa do presidente da Ascipam – Associação do Comércio de Pará de Minas.
 No dia seguinte ao sorteio conversando com minha patroa sobre o sucesso da promoção, fiz um comentário a respeito de minha decepção por não ter conseguido ganhar. No domingo seguinte fui surpreendida com a chegada de meus patrões em minha casa. Com a cama, o colchão e até os lençóis. Digam-me, não são anjos?!

Lécia Conceição de Freitas

BOAS VINDAS