quinta-feira, 22 de maio de 2014

"A POÉTICA ROSEANA" Capítulo 1

INTRODUÇÃO

Desde o seu lançamento, o livro Grande Sertão: Veredas tem sido objeto de estudo não só por ter se tornado um clássico da Literatura Brasileira, mas também pela linguagem inovadora, quase hermética, pela temática que transforma a obra em universal e pela composição narrativa em que predomina a oralidade. No livro, Riobaldo, o narrador-personagem, conta a sua vida a um senhor que não se manifesta, perceptível, apenas pelas marcas que a personagem deixa em sua fala.
Durante os estudos realizados para a elaboração da presente pesquisa, foi constatado o quanto a história, escrita por João Guimarães Rosa, tem fascinado e instigado os apaixonados pela Literatura e pela Língua Portuguesa. Assim, são muitas as tentativas de desvendar os sentimentos que guiaram Riobaldo nos caminhos percorridos  durante a sua travessia e como ele os expressou.
Não é objetivo nessa pesquisa elucidar os diversos temas apresentados pelo autor. De uma profundidade impressionante, a obra Grande Sertão: Vereda possui como pano de fundo um momento histórico social onde o autor apresenta o sertão em um plano mítico-filosófico e suas personagens refiguram o mundo em seus sentimentos e ações, de onde advém a universalidade da obra. Em alguns momentos, entretanto, para um melhor entendimento, será necessário um desvio do foco principal da pesquisa, que é a linguagem poética na obra.
O livro apresenta uma intensa fala poética em que o autor retrata o Amor como um dos temas universais, para isso, recria a linguagem, expressando esse sentimento envolto em um texto que se destaca pela riqueza de sua literariedade. Guimarães Rosa compõe esse amor de um jeito forte, profundo e ao mesmo tempo  terno,  doce, escrevendo prosa como se fizesse poesia:
gostava de Diadorim, dum jeito condenado; nem pensava mais que gostava, mas daí sabia que já gostava em sempre. (Rosa, 2006, p.94). Mas eu gostava dele, dia mais dia mais gostava. Diga o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego. Era ele estar por longe, e eu só nele pensava. (ROSA, 2006, p. 146).



 
              A análise da linguagem poderia ser feita a partir de qualquer um dos vários elementos estruturais e poéticos da obra. No entanto, a escolha pela expressividade do amor entre os personagens principais se deu pela hipótese de que esse seja o tema principal do livro. Isso porque,  tão logo ocorre a morte de Diadorim, Riobaldo encerra a passagem da seguinte forma:
e aquela era a hora do mais tarde. O céu vem abaixando. Narrei ao senhor. No que narrei, o senhor talvez ache até mais do que eu, a minha verdade. Fim do que foi.
Aqui a estória se acabou.
Aqui, a estória acabada.
Aqui a estória acaba. (ROSA, 2006 p.600)
            Chama atenção a maneira como o autor trabalha a linguagem relacionada ao afeto. Além disso, compreende-se que não seria cabível em uma história de jagunços, entremeada de casos baseados na violência reinante no mundo do sertão e em que se questiona a existência do Demônio, a utilização de uma linguagem tão poética. Para apresentar as suas personagens, em um mundo desprovido de  ternura – o sertão –  e em que as ações e acontecimentos  são próprias desse contexto violento, bastaria uma linguagem prosaica romanesca como tantas já escritas.
            No entanto, Guimarães Rosa, como um artista, cria uma linguagem singular em que predomina a poesia através dos muitos recursos utilizados. Entende-se que essa poesia somente tem sentido por se tratar de uma obra que apresenta o amor  conduzindo as ações do protagonista e mais tarde suas reflexões dentro da  narração de sua vida.
            Deve-se ressaltar que essa obra é de uma riqueza inesgotável apresentando inúmeras possibilidades de estudo. Depreende-se que, em seu enredo, nada é casual, encontrando-se engendrados, sutilmente, os contextos pretendidos pelo autor e em seu discurso os muitos fios dialógicos de que fala Mikhail Bakhtin:
o enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social. (BAKHTIN, 2002, p. 86).
             O que se percebe, ao longo da leitura do romance em estudo, é que Riobaldo, ao contar a sua história e reviver os acontecimentos entremeados de profundas reflexões presentes nos aforismos,  quer entender tudo o que  viveu e, por vezes, justificar suas ações.  Contudo, muito mais que isso, parece que ele quer, na verdade, falar do amor intenso que sentiu pelo companheiro de armas, Diadorim, como uma catarse, já que não pode viver esse sentimento que considerava proibido, acreditando tratar-se de um homem. Com a  morte de Diadorim e a revelação de sua
verdadeira identidade, termina a  saga de Riobaldo, uma vez que ele se tornara jagunço somente para permanecer ao lado do seu amor:
e desde que ele apareceu, moço e igual no portal, eu não podia mais, por meu próprio querer, ir me separar da companhia dele, por lei nenhuma; podia? O que entendi em mim: direito como se, no reencontrando àquela hora aquele Menino-Moço, eu tivesse acertado de encontrar, para o todo sempre, as regências de uma alguma a minha família. Sem peso e sem paz, sei, sim. Mas, assim como sendo, o amor podia vir mandado do Dê? Desminto. (ROSA, 2006 p.109).
Após a morte de Diadorim, Riobaldo abandona a vida de jagunço, casa-se com Otacília, o amor de sossego, e torna-se um fazendeiro. Ao finalizar a própria estória, ele já não utiliza a linguagem tão decantada, poética. Em seu devir, ao final, é um homem comum. O que resta é a saudade, enorme, que ele confessa:
por esses longes eu passei, com pessoa minha do meu lado, a gente se querendo bem. O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é de saudade? Diz-se que tem saudade de ideia e de coração... (ROSA, 2006, p. 27).
              Além da paixão pelo texto literário, a escolha do tema voltado para a  utilização da linguagem poética  na obra  Grande Sertão: Veredas, para expressar a relação de amor entre Riobaldo e Diadorim, surgiu após a leitura e análise do livro para a realização de um trabalho de Literatura Brasileira.  Na ocasião, foi observada a dificuldade de compreensão da obra devido ao quase hermetismo e à originalidade da linguagem. A constatação da grandiosidade da obra, já comentada por diversos estudiosos, aliou-se a essa observação. Esse estudo, portanto, pretende investigar se a linguagem utilizada pelo autor  é   configurada como um  ícone essencial para a estruturação  da temática lírico-amorosa.
         O presente estudo justifica-se por analisar a linguagem poética utilizada pelo autor para enaltecer o amor dos protagonistas e torna-se relevante no sentido de contribuir, para o aprofundamento dos estudos sobre a obra. Por meio da pesquisa, tenciona-se um entendimento da estilística do autor com a utilização da linguagem poética na construção do lirismo amoroso, na estruturação da obra.
            A pesquisa teve como objetivo geral uma análise da exploração da linguagem por Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas na abordagem lírico-amorosa. Para isso, especificamente, realizou-se uma análise da estruturação da linguagem poética da obra. Nesse sentido, foi necessário compreender os elementos da narrativa e identificar os recursos de linguagem explorados pelo autor.
            Após essa etapa, foi possível apresentar a  plurissignificação  roseana no processo de reinvenção da língua e ressaltar a prosa revestida de poesia que expande as possibilidades denotativas da palavra.
            O presente trabalho está  estruturado de forma a apresentar, na seção  inicial uma introdução que permita identificar o tema e sua problematização, os objetivos do trabalho e a sua estruturação.
            A segunda seção apresenta um resumo  da obra Grande Sertão: Veredas, da biografia do autor e do contexto histórico em que ela foi escrita. Além disso, apresenta, também, uma análise  sobre o que se considera o fio condutor da mesma obra.
            A terceira seção  trata das perspectivas teóricas onde são reveladas as obras que foram estudadas para o embasamento  teórico  na elaboração da presente pesquisa. Nessa seção, apresentou-se uma breve explanação sobre as teorias de Saussurre. Essa introdução tornou-se necessária para um melhor aproveitamento dos estudos sobre a linguagem, que é o foco principal da pesquisa. Nesse sentido, elaborou-se uma concisa conceituação acerca do assunto.
            A quarta seção contempla a metodologia utilizada para a elaboração do presente trabalho
            Em seguida, na quinta seção, analisou-se  a linguagem da obra, a estrutura da linguagem poética e como ela se mostra em Grande Sertão: Veredas. Assinala-se que a metáfora, como recurso de linguagem, foi analisada nessa parte por destacar-se como elemento poético na obra em estudo.  Prosseguindo, há  uma análise dos elementos da narrativa e como eles se organizam em Grande Sertão: Veredas. Essa abordagem torna-se relevante ao considerar-se que esses elementos destacam-se no aspecto poético em estudo, uma vez que o autor faz uso deles  de uma forma que foge à tradicional, notadamente, com o intuito de singularizar a obra. Finalizando a seção, mostram-se os recursos de linguagem utilizados pelo autor na composição da obra sendo de extrema importância na estruturação da linguagem poética em que a obra, em estudo, se configura.
          A sexta seção exibe a prosa revestida em poesia em Grande Sertão: Veredas,  por considerar-se ser essa forma a mais expressiva e condizente para a confirmação do tema proposto para o presente trabalho.
            Por fim, são apresentadas, na sétima seção, as conclusões obtidas no desenvolvimento da pesquisa, considerações sobre o tema e as possíveis contribuições  para futuros trabalhos sobre a obra.

                                                                                                                                           Lécia Freitas














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