sábado, 22 de fevereiro de 2014

ANÁLISE DE LUCÍOLA DE JOSÉ DE ALENCAR


A história de amor de Paulo e Lúcia
Dois dados ressaltam-se; a dualidade de Lúcia e a dissociação do amor carnal e o amor espiritual.
Paulo, pernambucano, 25 anos, formado, pobre, vem ao Rio de janeiro buscando se estabelecer. Lúcia, a cortesã mais bela do Rio. Na opinião da sociedade representada por Sá, Cunha e Couto, uma mulher devassa capaz de levar qualquer homem à loucura, muitos a desejam. Entretanto, Lúcia não fica por  muito tempo com um amante. Manda-o embora e ponto.  No dia seguinte está com um novo amante. Lúcia é uma mulher cara. Por isso é muito rica. Mas é uma mulher avarenta. Vende todas as joias que ganha. Jacinto a ajuda nessa tarefa. É uma mulher fria, irônica, porém capaz de gestos generosos como pagar o aluguel de outra cortesã que a ofendera na véspera. Cheia de sensualidade, ao mesmo tempo, é cândida, meiga como uma inocente menina. Somente Paulo consegue ver isso. Percebe seu caráter nobre assim que a viu. E começa a amá-la. E ele percebe, também, a dualidade  de Lúcia e não compreende, está sempre ofendendo-a e pedindo perdão. Ao mesmo tempo em que perdoa os desvios de Lúcia, as vilezas, tudo que ele considera que é traição. Paulo sente muito ciúme, mas reconhece o amor de Lúcia por ele e vai amá-la profundamente.
Ao chegar ao Rio Paulo quer andar, divertir-se, viver. Em 8 um impedimento no trânsito, conhece Lúcia. Chama sua atenção o perfil suave e delicado No que os cavalos do tílburi de Lúcia  saem de arranco, cai-lhe o leque e Paulo consegue restituir, o que faz com que ele se aproxime dela e consiga tocar a ponta de seus dedos enluvados. Ela lhe sorri.
Dias depois na festa da Glória com o amigo Sá, Paulo a vê e pergunta quem é aquela senhora. Sá diz então que ela não é uma senhora. É uma mulher bonita. Paulo se envergonha de sua ingenuidade. Ao ser apresentado a ela por Sá volta a se envergonhar por não dizer nada que realmente fizesse efeito. E note, realmente, a expressão cândida do rosto de Lúcia, seiu gesto delicado. Ele a corteja como se ela fosse uma senhora. Depois disso,Paulo a encontra no comércio, quando ela apenas faz-lhe um aceno com a cabeça. Dias depois no teatro, conversam amigavelmente.
Um dia, Paulo resolve ir visitá-la em casa. Ela a deseja mas não consegue manifestar isso. Conversam por algum empo e na saída Lúcia convida-o para voltar.  Paulo conversa com Sá que reforça a sua opinião sobre Lúcia e diz que o tempo gasto com a sua conquista é o tempo gasto em abrir a carteira. Basta dar-lhe brilhantes. Ao voltar à casa de Lúcia, ela está vestida  com a mesma roupa do primeiro. Como ele não percebe, ela cobra isso dele e diz que ele nunca mais a verá como daquela vez, pois agora ele já a vê com outros olhos, sabendo da sua condição de cortesã. Ela chora quando ele manifesta o desejo e ele se aborrece, pensando ser alguma coisa com ele,que ela não o quer. Lúcia então se transforma: de menina cândida em mulher fogosa e sensual. Eles vão até a alcova e se amam. Ele percebe que ela também sente um enorme prazer. Após o ato do amor, ao ver o corpo de Lúcia inerte, pasmo com os olhos vítreos, Paulo pressente que a vida logo o abandonaria e dá a perceber isso à ela. Ela responde que não se importa contando que tenham gozado de sua mocidade. “ De que serve a velhice às mulheres como eu?” Já na saída,Paulo se envergonha diante do olhar dela quando ele leva a mão à carteira. 
No teatro, conversando com Cunha ele lhe conta ter sido amante de Lúcia e que ela é uma pessoa avarenta, que deixa os amantes sem maiores explicações, tendo-o deixado porque tentara se esconder da esposa, uma vez em que se encontraram os três. Na ocasião, Lúcia mandou que ele ficasse com a esposa. Sá convida-o para uma ceia. 
Paulo  comparece à ceia e depara com Lúcia. Todos comem e bebem parecendo divertirem-se. Ao um dado momento Paulo percebe que Lúcia vai se expor de forma ignóbil e pede a ela que não o faça. Ela, entretanto sussurra-lhe que é preciso pagar a conta da ceia. Lúcia, então, fica nua diante de todos e faz posses sensuais como um quadro vivo o que desgosta Paulo, a ponto dele sair para o jardim. Ao voltar ele vê que Lúcia está prostrada. Mais tarde,quando a encontra no jardim,surpreende-se com o choro convulsivo dela. Ele sente pena e pergunta-lhe porque então faz essas coisas e pede-lhe que nunca mais faça. Ela diz que age assim por uma autopunição, mas que nunca mais fará aquilo. Eles então procuram um lugar retirado e se amam como se fosse pela primeira vez. Ela lhe diz que os beijos que ela lhe dá naquela hora são os mais puros que ela possa ter dado a alguém.
No dia seguinte, Paulo compra-lhe uma pulseira de valor e um par de brincos simples. Ao receber os presentes Lúcia não se entusiasma  com a pulseira deixando-a de lado, ao passo que fica alegre como uma criança com os brincos. Paulo não entende e acha que ela está fingindo. Ela pede a ele que fique com ela naquela noite.
Um dia Paulo encontra Nina em casa de Lúcia. Nina outra cortesã, ofendera Lúcia durante a ceia em casa de Sá. Naquela hora, no entanto,Lúcia está dando a Nina dinheiro para que ela consiga pagar o aluguel da casa onde mora. Ao conversarem sobre o assunto ,Lúcia diz que não quer falar sobre aquilo. E o que ela faz não é uma boa ação e sim ela quer se remir dos pecados. Ele vê o quanto ela pode ser generosa. Lúcia diz que o quer ali como seu dono e senhor. Ele passa a viver com ela e não entende as suas transformações. Ora menina , ora cortesã.
Paulo recebe um convite para uma festa e resolve aceitar. Lá encontra-se com Sá que o alerta, dizendo que toda a sociedade está falando do seu relacionamento com Lúcia e que ele vive à custa dela.  Sá diz  a Paulo que Lúcia tem que aparecer em festas, com seus vestidos luxuosos, sua beleza e que ele está privando-a disso. Ele fica indignado porque não é verdade, uma vez que ele sempre dá dinheiro a ela. Na saída, depara com Lúcia que alugara um quarto bem em frente à casa onde ele estava, para ficar observando-o de longe. Sente-se vigiado e não gosta,  briga com ela e vai embora.
Ele volta para o hotel, mas não por muito tempo, pois logo vai à casa de Lúcia e pede-lhe perdão, confessando não ser rico. Diz que não pode mantê-la com seus luxos. Lúcia responde-lhe que voltará a  sair e gastar para salvar a reputação dele. Mostra-se abalada ao dizer que um homem pode rolar com ela que não ficará com nenhuma nódoa. Porém se  quiser um afeto sincero de um homem honesto a sociedade não permitirá. Mais tarde,  ele a vê com Couto, em uma loja,e acha que ela agora é amante dele  e que ele está pagando suas contas. Paulo  sai com Rochinha, um conhecido, que lhe diz que Lúcia despreza Couto.
Paulo vai à casa de Lúcia e após ofendê-la, a obriga a ir a um baile  com Couto. Ele também vai ao baile e por despeito marca um encontro com Nina de modo que Lúcia possa ouvi-lo. Ele passa o resto da noite na porta da casa de Lúcia com ciúmes, mas ela não aparece. Paulo supõe que ela está com Couto. À tarde lembra-se do encontro com Nina e vai à casa dela para desculpar-se. Nina o recebe com beijos agradecendo a linda pulseira de brilhantes. Paulo percebe a trama de Lúcia e vai atrás dela. Ele a encontra desfeita, chorando e diz que não teve nada com Couto. Eles se reconciliam.
Um dia Lúcia sai e não diz aonde vai. No dia seguinte mostra-se adoentada. Uma mulher de nome Jesuína aprece para ajudá-la. Paulo não gosta da mulher e pede que ela vá embora. Lúcia concorda.
Lúcia vai abandonando a vida mundana e já não vibra como outrora. O amor carnal passa a ser como uma obrigação. Paulo não entende essa frieza e por vezes se exaspera.  Mesmo quando excitada por Paulo. É a doença que já se faz sentir.  Ela sofre calada, pois reconhece que "o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe!". O grande sentimento que os unia, arrefece, dando lugar a uma amizade simplesmente. 
Paulo vê Jacinto em casa de Lúcia e pergunta a ela o que ele faz ali. Ela diz ser apenas um criado. Ele não dá mais importância ao fato. Porém, chegando sem avisar ele surpreende Lúcia no antigo quarto, onde recebia os amantes, conversando com Jacinto, que tem um objeto na mão como uma carteira. A cama está desarrumada. Paulo a insulta e vai embora. Algum tempo depois ele encontra Jacinto na rua e então fica sabendo que Lúcia estava negociando a casa, os móveis e que vai mudar-se para uma casa bem menor. Novamente ele volta e pede-lhe perdão.
O comportamento de Lúcia é cada vez mais sublime e heroico. Já não existe mais nada da antiga cortesã. E Paulo, por fim, entende essa nobreza de caráter e compreende o porquê das suas recusas. Ela lhe recusava o corpo porque o amava em espírito. E também porque já está doente. Paulo promete respeitá-la de ora em diante.
Lúcia um dia lhe revela todo o seu passado. Chamava-se Maria da Glória. Era uma menina feliz de 14 anos e morava com os pais, quando, em 1850, sobreveio a terrível febre amarela. Seus pais, os três irmãos, uma tia caíram de cama, Ela ficou só. No auge do desespero, resolveu pedir ajuda a um vizinho rico, Sr. Couto, que em troca de algumas moedas de ouro tirou-lhe a inocência. "o dinheiro ganho com a minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de esperança." Seu pai, porém, sabendo da origem do dinheiro, e supondo ter a filha um amante, a expulsou de casa. Sozinha, sem ter aonde ir, foi acolhida por uma mulher, Jesuína, que, quinze dias depois, à conduziu à prostituição, estipulando pela beleza de seu corpo um alto preço. O dinheiro, ela o usava para cuidar do que restava da família: "e eu tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã".
Uma colega de infortúnio foi morar com ela. Chamava-se Lúcia. Tornaram-se amigas. Lúcia morreu pouco depois. No atestado de óbito, a heroína fez constar que a falecida se chamava Maria da Glória, adotando para si o nome da amiga morta. "Morri, pois para o mundo e para minha família. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída." E todo dinheiro que ganhava, destinava-o à preparação de um dote para sua irmã, Ana, a qual passou a manter num colégio interno depois da morte dos pais.
Agora Paulo compreende ainda melhor as atitudes misteriosas e contraditórias que Lúcia tomava como cortesã. É que esse gênero de vida lhe parecia sórdido e abjeto. Ela suportava como a um martírio, uma autopunição, uma maneira de reparar o seu pecado. Conhecido se passado heroico, ele passa a sentir por Lúcia uma grande ternura e um amor sincero.
Seguem-se dias tranquilos. Lúcia muda-se para uma casinha modesta e Ana mora com ela. "isto não pode durar muito! É impossível!" É o pressentimento da morte. Lúcia tenta convencer Paulo a se casar com Ana, que já o ama também. Seria uma maneira de perpetuar o amor de ambos, já que ela se julga indigna do puro amor conjugal. Paulo rejeita com  veemência em nome do amor que não sente por Ana.
Lúcia aborta o filho que esperava de Paulo. Ela se recusa a tomar remédio para expelir o feto morto, dizendo "Sua mãe lhe servirá de túmulo". E já no leito de morte, recebe o juramento de Paulo prometendo-lhe cuidar de Ana como sua filha. E morre docemente nos braços de seu amado, indo amá-lo por toda a eternidade.

                                                                                                    
ANÁLISE
          
          O livro “Lucíola”, de José de Alencar, é um romance urbano, pois, ambienta-se na época do autor e retrata os costumes da sociedade carioca do Segundo Reinado.  Alencar, por meio de seus romances urbanos, faz uma crítica e denuncia a hipocrisia, a ambição e desigualdade social. Na análise psicológica ele revela os conflitos interiores de suas personagens femininas. Em todos os romances urbanos, Alencar coloca o amor como tema central e aborda a situação social e familiar da mulher, diante do casamento e do amor. Contudo,  o amor como o entendia a mentalidade romântica da época: um amor sublimado, idealizado, capaz de renúncias, de sacrifícios, de heroísmos e até de crimes, porém redimindo-se pela própria força purificadora de sua intensidade e de sua paixão.
       “Lucíola” é um romance em primeira pessoa, ou seja, quem narra a história não é Alencar diretamente. Ele o faz por meio de uma personagem que viveu os episódios. Nesse caso, essa personagem é Paulo, que em cartas dirigidas a uma senhora (por quem, subentende-se, o autor se faz passar) conta uma história de amor acontecida, há seis anos, entre ele e Lúcia.  A senhora reuniu as cartas e delas fez o livro. “Eis o destino que lhes dou; quanto ao título, não me foi difícil achar. O nome da moça, cujo perfil o senhor me desenhou com tanto esmero, lembrou-me o nome de um inseto. ‘Lucíola’ é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?”
        Características do Romantismo são facilmente encontradas na obra. É um romance em primeira pessoa, em que a história é narrada do ponto de vista somente de Paulo. Individualismo, portanto. Tudo gira em torno do que ele viu, do pensou, sentiu junto a Lúcia. Logo no início, Paulo esclarece que escreveu essas páginas para se justificar perante uma senhora que estranhou “a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagância.” Percebe-se , também, na oposição indivíduo x sociedade quando o casal age contrariando as convenções sociais: “Que me importa o que pensam a meu respeito?”, ou quando satisfazem essas mesmas convenções, embora sempre reafirmando o próprio ‘eu’ e fazendo a sua personalidade. –“Há certas vidas que não se pertencem, mas à sociedade onde existem. (...) Ah! esquecia que uma mulher como eu não se pertence; é uma coisa pública, um carro de praça que não pode recusar quem chega...”
       Em “Lucíola”, a temática central está na exaltação do amor. Porém o amor sublime, alheio às convenções sociais, feito de sacrifício, como força purificadora. Capaz de transformar uma prostituta numa amante sincera e fiel. “- o amor purifica e dá sempre um novo encanto ao prazer. Há mulheres que amam toda a vida; e o seu coração, em vez de gastar-se e envelhecer, remoça como natureza quando volta a primavera.” Outra passagem: “Tive força para sacrificar-lhes outrora o meu corpo virgem; hoje depois de cinco anos de infâmia, sinto que não teria coragem de profanar a castidade de minh’alma. Não sei o que sou,sei que começo a viver, que ressuscitei agora”, disse Lúcia após sentir a afeição de Paulo. “Eu te amei desde o primeiro momento em que te vi! Eu te amei por séculos nesses poucos dias que passamos juntos na terra. Agora que a minha vida conta por instantes, amo-te em cada momento por uma existência inteira. Amo-te ao mesmo tempo com todas as afeições que se pode ter nesse mundo. Vou te amar enfim por toda a eternidade.”
       Lúcia ama Paulo, porém ela acha que não merece um amor puro “...o amor para uma mulher como eu seria a mais terrível punição que Deus poderia infligir-lhe! Mas, o verdadeiro amor d’alma”. Diante da possibilidade de realização de um amor puro, só resta a Lúcia, como personagem de um romance com características românticas uma saída: a morte. Nem mesmo o filho ela acha que merece: “Um filho, se Deus mo desse, seria o perdão da minha culpa! Mas sinto que ele não poderia viver no meu seio!”. E como uma heroína romântica, Lúcia anseia morrer nos braços do homem amado: “Ainda quando soubesse que morreria nos seus braços... Que morte mais doce podia eu desejar!” “...desejava que fosse possível morrermos assim um no outro... uma vida só extinguindo-se num só corpo!”. E assim se fez. Morreu ao lado do ser amado, dizendo-lhe: “Vou te amar enfim por toda a eternidade...”.
       Em algumas passagens do romance é possível perceber  o sentimento de melancolia: - “ninguém mais se animou a fazer-nos companhia. Estávamos na penúria; [...] Fiquei só! Uma menina de 14 anos para tratar de seis doentes graves, e achar recursos onde não os havia. Não sei como não enlouqueci”. [...] “Meu pai leu no jornal o óbito de sua filha; [...] mas não se envergonhavam de sua filha prostituída.”
       Além das características do Romantismo podemos encontrar , na obra, peculiaridades de José de Alencar como o lirismo: “Sentamo-nos sobre a relva coberta de flores e à borda de um pequeno tanque natural, cujas águas límpidas espelhavam a doce serenidade de um céu azul”. O gosto pela descrição: além do poder de descrever paisagens,  lugares, Alencar o fazia com as vestimentas de forma a influenciar no estado de espírito das personagens. “A expressão angélica de sua fisionomia naquele instante, a atitude modesta e quase íntima, e a sua singeleza das vestes níveas e transparentes, dava-lhe um frescor e viço de infância, que  devia influir nos pensamentos calmos, senão puros”.
      Em “Lucíola” vemos desarmonia no contraste de Maria Glória e Lúcia. Aquela é inocente, essa é devassa, A própria Lúcia esconde o seio recatada à vista de Paulo e, ao mesmo tempo, desfila nua em casa de Sá. Também em Paulo, que deseja Lúcia e depois quer respeitá-la; despreza-a e sente ciúme; ofende-a e pede perdão.
       Na estrutura da obra podemos observar que há um autor real, Alencar e um autor fictício, a senhora que recebe as cartas de Paulo. Ele tem a incumbência de ordenar os fatos. Ao mesmo tempo que Paulo-personagem transmite os sentimentos vividos por ele e Lúcia ao leitor, Paulo-narrador interrompe a narrativa e faz reflexões ou dirige-se à destinatária das suas cartas que compõem a história dos dois amantes. Isso acrescenta uma particularidade ao romance.  

Trabalho avaliativo apresentado à disciplina Literatura Brasileira do Curso de Letras
- FAPAM - Professora Drª Ana Paula Ferreira
Créditos: 10

                                                                                                                  Lécia Conceição de Freitas


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Ainda restam coquinhos... e periquitos


           
            Devo dizer que hoje, apesar da grande movimentação, na Av. Presidente Vargas, perto da Ponte que já foi Grande, havia um bando de periquitos  deliciando-se com os coquinhos  aqueles amarelinhos, que grudam nos dentes da gente.  Os bichinhos faziam acrobacias para comer os coquinhos em um cacho enorme, pendente de um coqueiro  no canteiro central da dita avenida. E gritavam... e palravam...
             O que nos deixa felizes, pois não é comum que se veja um bando de periquitos nessa folia e, muito menos, degustando essa fruta, bem no centro urbano de uma cidade que já foi pacata. O alarido dos pássaros era bem forte e demonstrava a alegria por estarem ali, com tanto alimento à disposição.  Ás vezes, algum deles pegava um coquinho com o bico e saía voando por cima das cabeças de quem estava no ponto de ônibus.  O que leva a crer que devem ter seus ninhos ali naquela matinha aos pés do Cristo Redentor.
            Fiquei por um bom tempo observando. É sabido que gosto demais de pássaros e aquilo, ali, naquela hora, era um presente.  Olhei disfarçadamente em volta para ver se mais alguém estava admirando o acontecimento e assim poder fazer um comentário. Tudo que eu queria era poder falar sobre os periquitos e  a festa que faziam. Mas qual, ninguém prestava atenção! As pessoas andam muito apressadas.  E cada um se preocupava com o que lhe parecia ser mais importante, decerto. O que para todos parecia ser uma coisa banal, para mim era um acontecimento! Que alguns periquitos  viessem  tão perto do ser humano, colher frutas e festejar deveria  ser visto como algo inusitado. Ou talvez eles ainda sejam inocentes e não sabem o perigo que correm. Ou quem sabe, quisessem mesmo se mostrar, sabedores de sua graça.
            Acho mesmo que somente eu percebia a dádiva da natureza. E eu a recebi como um mimo  oferecido somente a mim. Eu,  que amo essas coisas de árvore, conversa de periquitos, cores e cheiros de coquinhos! De onde estava não podia sentir o cheiro, é verdade, mas eu adivinhava. Imaginava até a doçura das frutinhas, por isso entendia a alegria dos periquitos e era conivente com eles, apesar do lugar, da hora, do barulho...
            Mas  é bom que saibam, que nessa cidade de Pará de Minas, em meio a um trânsito caótico, barulhento, em uma avenida apinhada de pessoas, um bando de periquitos festejava  a tarde, a vida...
 E eu, eu vi isso!


Lécia Conceição de Freitas

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Todas gostam de bombom

        Esses enjoos de gravidez são terríveis. Com o estômago vazio, são bem piores. Mas, não havia nada que pudesse comer. O jeito era aguentar e continuar bordando aquele pano de prato. Quanto mais cedo entregasse, teria o dinheiro nas mãos. De repente chega a vizinha com o pagamento da passação da roupa. Graças a Deus, ainda não eram 10 horas, poderia ir até a padaria comer alguma coisa. Ajeita uma roupa no filho, lá fora o frio estava "de lascar". Vai andando o mais rápido que pode devido aos passinhos dele. Está alegre devido ao pagamento. 
É conhecida por todos no bairro e a dona da padaria a recebe com um sorriso. 
– Vai ganhar um "Sonho de Valsa", hoje, ela diz.
– Uai, vou, por quê? - responde a mãe.
– Seu marido passou aqui e pegou um, diz a senhora.
–Ué, por que será? Ah, que bom! - retruca a mãe, preparando-se para pagar os pães e o leite.
–Ele pegou o bombom na sua conta. Como você não gosta de ficar devendo, quer que cobre agora?
A mãe leva um pequeno susto. Como ele compra um bombom na sua conta? Não tinham como ficar tendo esses gastos. Bombom era um luxo! Ela mantinha a conta somente para uma emergência e para comprar leite para o filho. Mas pensou que depois, talvez, não tivesse como pagar o bombom. Concordou que cobrasse o valor da guloseima, ainda que a contragosto.
–Bobagem essa sua de não querer ficar comprando o que precisa. Você é uma boa freguesa. Pode comprar quando quiser – arremata a dona.
– Não, Dona Maria, não é bobagem. A gente deve gastar só o que pode pagar, responde a mãe, já agradecendo e saindo da padaria.
Havia um evento na cidade com apresentações de duplas sertanejas e por isso a rua estava cheia de gente, apesar da hora. Ela foi andando mais devagar e observando os grupinhos de pessoas nas calçadas e portas de bares. Esperava ver o marido que, segundo a Dona Maria havia lhe comprado um bombom. Não ficara muito satisfeita devido ao gasto inconsequente, naquelas circunstâncias, mas um Sonho de Valsa?!
Repartiria com os três, dava pra sentir o gostinho. 
Achou esquisito, pois não vira o marido. Onde será que estava? Com certeza  se desencontraram e ele já estava em casa. Saiu da avenida e dirigiu-se para o largo, um terreno bem grande de terra batida, onde aconteciam os ensaios para o carnaval e onde acampavam os circos e parques que costumam visitar cidades do interior. Era lugar ermo e mal iluminado mas valia a pena por ser um atalho. Apertou a mãozinha do filho como buscando coragem e apertou o passo. Olhando em volta receosa, de repente ela vê debaixo do poste. Reconhece a jaqueta, o vulto debruçado em cima de outro vulto. Respira fundo, nenhuma outra reação.  Apenas pensa que outras também devem gostar de bombons. Dirige-se para casa pensando que tem que terminar o bordado ainda hoje.


Lécia Conceição de Freitas

Prá lá de um sonho...

        A minha casa eu sonhei assim: ao rés do chão. Com as portas abertas para receber todos os amigos. As janelas largas, bem altas, em um exagero de luminosidade nos cantos e recantos. Esconderijos são necessários para que os meus filhos e netos guardem sua infância. E que possam resgatá-la todas as vezes que se sentirem ressecados pelo cotidiano. 
        Os quartos, com todas essas camas, acomodarão a parentada em Natais, Semanas Santas e Festas Juninas, Julinas, Setembrinas, o que for.
        A cozinha - veja a cozinha - clara, espaçosa, com o fogão à lenha onde se possa “quentar fogo”, em noites frias e chuvosas! Aqui recebo comadres e quem queira, para trocar tipos de receitas: culinária, chás, artesanatos e o quê mais... E para todos os “dedos de prosa”. No quintal, variedade de bichos de pena, com bastante rebuliço nas madrugadas, após o canto que perpetua as manhãs nas serranias. No canteiro, com alguns pés de couve, de cebolinha e ervas de cheiro, um girassol, que mostre às margaridas que já são horas. Jasmins, bogaris e damas-da-noite estarão sempre perfumados. A relva, veja! O orvalho? Sol já está velho, o orvalho já secou...
        Lá debaixo das palmeiras, o banquinho de quatro pernas é um convite para a vesperal. Eles vêm sempre à procura dos frutos - os pássaros - de todos os tipos e tamanhos. Repare só, como estão felizes! Eles moram lá na matinha, no pé da serra, mas estão sempre por aqui. Não é verdade que parece que estão conversando?...
     Vizinhança com rio? Quis não. Rio é muito bonito, mas é negócio perigoso. Água mesmo, só da nascente que vai correndo - olha – vai formando um corguinho, fiapo de água, com a cantiga da liberdade entre os seixos. Com lambaris, piabas, e outros peixes de menor porte, veja! Só para meu deleite, que sou contra matança de bicho, ainda que para matar a fome. Para isso, plantei uns pés de milho lá atrás. Desse lado, uma capela, onde faço minhas preces Àquele que à Imagem e Semelhança, criou-me. Ouça o silêncio! Aqui não se ouve nem o murmúrio da Terra. Tudo reverencia o Senhor de todas as coisas. E do tempo...

Esse sonho eu tenho comigo, como um acalanto, a vida inteira. As possibilidades de realizar são bem pequenas. Talvez até pela magnitude dele. Para mim. Mas isso não me faz uma pessoa amarga nem infeliz, pelo contrário. Sou bem feliz! Aprendi, ao longo do tempo, que o que faz a gente feliz não são as coisas. São as pessoas que temos ao redor! Porquanto, somos livres quando temos sonhos para sonhar! E assim, voar...


                                                                                                                       
                                                                                             Lécia Conceição de Freitas
                                      

ÁLCOOL, UMA DROGA PERMITIDA

       Eu vejo por todo lado as pessoas falando do “mal das drogas”, ditas ilícitas. Parece que atualmente o crack é a pior delas. Ou seja, com o maior poder de devastação no organismo e na vida do usuário. É uma droga barata, dizem, por isso mesmo de fácil acesso para os usuários e de difícil controle, senão impossível, segundo as autoridades. Mas, e o álcool?
Assisto, impotente, ao álcool, fazer parte da minha vida. Tomar um lugar como usurpador do meu sossego, da minha alegria, da própria felicidade. E eu me recuso a isso. E me debato, ainda que em vão, até o fim, se for preciso. Meu Deus, será que as pessoas não percebem o mal que o álcool traz? 
       As imagens vinculadas e veiculadas sobre os usuários de drogas, quase sempre, são de pessoas com um baixo poder aquisitivo, negras, analfabetizadas, enfim, os marginalizados de qualquer natureza. E atribuem a eles, as vítimas, porque são dominados pelo vício, tudo de ruim quanto à violência que tem acontecido no mundo. Mas e o álcool?
       Os anúncios publicitários de bebidas alcoólicas são de extremo bom gosto e criatividade. As mulheres são lindas, os homens maravilhosos. Todos esbanjam saúde, sorrisos perfeitos, os corpos “sarados”, jovens. Ninguém tem problemas, dívidas, nada. Sempre em praias ou bares paradisíacos. Só o bom e o belo. E nas festas, mede-se o nível de bom gosto e de “finesse” de acordo com as bebidas que são oferecidas. E o grau de “bombástica”, de sucesso, das festas, de acordo com o tanto que o convidado foi capaz de ingerir de álcool. Mas, não se iludam! A aparência de degradação de uma pessoa bêbada não se altera, seja ela quem for ou o que tenha bebido: seja uísque ou cachaça. Uma pessoa bêbada apresenta o mesmo horrível e triste aspecto: os olhos vermelhos, a língua enrolada, a fala desconexa, o desequilíbrio e a baba – nojenta, mau cheirosa. Isso vai ficando impregnado na pessoa
      Porém, a aparência não é o pior. Isso conserta-se. O estrago maior é feito na vida da pessoa que insiste em dizer que não é alcoólatra (só toma “umas” para relaxar, ficar alegre). E da sua família que já não tem mais festas familiares, domingo, feriado, nada. O que fica rondando é o medo, é a angústia, a dúvida sobre qual será a próxima tristeza ou tragédia que irá acontecer. Essa droga, tão devastadora quanto aquela, vai aos poucos destruindo a pessoa. Vai minando a saúde, corroendo tudo que a pessoa tem, de dignidade, de caráter, de alegria. E com o passar do tempo aquela pessoa tão especial para todos que o amavam torna-se um simulacro. 
       Mas eles também não têm culpa, eles também são dominados pelo vício. Sim , é isso, é um vício, terrível e a sociedade deveria enxergar e admitir isso. A sociedade deveria perceber que diferentemente do crack que é oferecido nos morros ou nos cantos escondidos, escuros por bandidos, ou não, o álcool é servido, também como objeto de luxo em bandejas de prata e taças de cristal. O álcool é visto até como um facilitador de socialização porque deixa as pessoas mais alegres, mais falantes. 
        É tão triste ver pessoas que amamos ingerindo álcool, jogando fora uma vida preciosa que poderia ser tão feliz! É tão triste ver pessoas com copos de bebida na mão! Porque demonstram não serem capazes de caminhar sozinhas, precisam de muletas! E aquela alegria, ah, tão falsa, tão ilusória e inconsistente, aquela alegria!... 


        Assim caminha a Humanidade...



                                                                                                               Lécia Conceição de Freitas