quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Indisciplina e o processo educativo


COMO DEFINIR A INDISCIPLINA?

·         A indisciplina é um problema real tanto na sala de aula como na escola.
·         A indisciplina implica desobedecer às normas estabelecidas e pode expressar-se de vários modos. Por exemplo: recusar-se a aprender, não respeitar as regras, manifestar condutas inadequadas, fazer barulho e brincadeiras durante a aula, etc.
·         Deve-se diferenciar violência  de indisciplina, pois esta, ao contrário daquela, deve ser objeto de reflexão e de busca por parte do professor.
·         Se é verdade que sempre houve problemas de indisciplinam, o desconhecimento das fronteiras entre disciplina e indisciplina fez com que esta última se tornasse um termo fundamental da Educação.
·         Toda conduta que parece inadequada se transformou em um sintoma de indisciplina, a tal ponto que se julga, muitas vezes, que as crianças precisam receber tratamento. Assim, um problema social se transforma em questão psicológica. Mas não é com remédio que se resolve o problema de indisciplina na sala de aula.


 COMO DEFINIR A INDISCIPLINA?

Que deve fazer um professor na sala de aula? Ensinar ou manter a disciplina?
A disciplina faz parte da vida da escola. Mas como definir a disciplina e a indisciplina? Que dizem os professores?
Três pesquisadores, Petinarakis, Gentili e Sénore, interrogaram, em 1997, um grupo de professores, dos quais 90% afirmaram que a indisciplina é um problema real, tanto dentro da sala de aula como na escola. Para muitos deles, a disciplina é instrumental, é uma técnica de gestão de grupos e não deve ser prescritiva nem descritiva. Alguns defendem que a disciplina é u  instrumento de iniciação ao senso moral e representa um meio de educar o aluno; para os demais, ela é uma maneira de reconhecer o outro. Esse último ponto refere-se à necessidade de trabalhar com a heterogeneidade dos alunos. As respostas dos professores mostram claramente que são eles que devem ajudar os alunos a interiorizar progressivamente as regras no sentido da responsabilidade, Para eles, a disciplina não é sinônimo de poder, e sim um instrumento para o sucesso. Além do mais, a disciplina apresenta-se como maneira de ser e de se comportar que permite ao aluno alcançar seu desenvolvimento pleno, tomando consciência da existência do outro, e que ajuda, ao mesmo tempo, a respeitar as regras como requisito útil para a ação. Para esses professores, um aluno indisciplinado é aquele que é provocador (80%), aquele que rejeita as regras (60%), aquele que pode ser insolente e bagunceiro (70%) ou, ainda aquele que realiza atos de vandalismo, estragando, por exemplo, o material (50 %).
Todos os professores pensam que podem, num dado momento, gerar indisciplina ao cometer injustiças em relação aos alunos, como, por exemplo, demonstrar a preferência por algum deles, estabelecer regras contraditórias, fazer exigências impossíveis de cumprir, não saber ou não conseguir se comunicar.
Problemas de ordem pedagógica têm uma forte influência na emergência de fenômenos de indisciplina, e ao analisá-los pode ser de especial ajuda para o professor.

Como definir, então, a disciplina?
No sentido mais geral, a disciplina aparece como um conjunto de regras e obrigações de um determinado grupo social e que vem acompanhado de sanções  nos casos em que as regras e/ou determinações forem desrespeitadas. Um dicionário atualizado de educação diz que a disciplina é um conjunto de regras de conduta, estabelecidas para manter a ordem e o desenvolvimento normal de atividades em uma aula ou num estabelecimento escolar.
Uma pergunta fundamental seria: qual a legitimidade da regra e do poder daquele que exerce a força? Para muitos autores, a disciplina na escola tem a ver com o exercício de um poder, o do adulto sobre a criança, o do professor sobre o aluno. Esse poder é outorgado ao professor pelos pais da criança, que lhe deixam  exercer, por um tempo limitado, a autoridade parental; e pela sociedade, que exige do professor que exerça sua profissão. A disciplina aparece aqui como uma regra coercitiva à qual o indivíduo se submete por interesse (medo do castigo ou desejo de recompensa).
A disciplina pode ser olhada também como corretiva. Por exemplo, quando na sanção consiste em repetir com ortografia correta uma palavra que foi escrita de forma errada. Porém, o castigo só pode ter um valor educativo se quem o recebe compreende a razão. Isso depende da idade e também, claro, da complexidade da situação. Quando há uma relação exagerada entre disciplina e obediência ou disciplina e submissão, a disciplina pode ser até negativa. O elemento negativo aparece quando a conduta que o professor classifica como inadequada for tacada de indisciplina. Por exemplo, se o aluno conversa com outro por conta de um problema que foi proposto na sala de aula ou, então, quando o aluno não concorda com a solução do professor, etc. Essas condutas  não devem ser vistas como atos de indisciplinas, e sim como associadas à criatividade do estudante. Se a disciplina só existe pelo medo que o aluno tem de ser castigado ou quando o professor adota uma postura autoritária para estabelecê-la, ela se torna negativa porque, e vez de permitir que o aluno cresça e conquiste sua autonomia, ela o infantiliza e o mantém dependente.
Porém, é evidente que disciplina não é necessariamente negativa. A obrigação de respeitar as regras existe em todos os jogos sociais e esportivos nos quais as regras são a razão de ser e o vínculo entre os participantes.

POR QUE E COMO SURGEM OS PROBLEMAS DE INDISCIPLINA?

Os problemas de indisciplina  se traduzem de diferentes maneiras. Por exemplo, por meio de condutas como rejeitar a aprendizagem, faltar à aula, não levar os materiais escolares ou não fazer as tarefas. Outra forma é o desrespeito às normas elementares de conduta sem que exista necessariamente a intenção de molestar. E, ainda, os problemas de indisciplina podem se manifestar através de condutas destrutivas. Por exemplo, o aluno fica em pé frequentemente, interrompe o professor, tenta chamar a atenção, etc. essas condutas são incomodas e desagradáveis, tanto para o professor quanto para outros alunos. Em casos extremos, aparecem condutas agressivas.
O conceito de indisciplina não apenas se traduz de múltiplas maneiras, mas é também objeto  de múltiplas interpretações. Assim, a questão pode ser observada a partir de diferentes marcos de referência: do aluno, do professor ou da escola. Se considerarmos o referencial do aluno, a noção de indisciplina se expressa em suas condutas, nas inter-relações com seus pares e com os profissionais no contexto escolar e, ainda, no contexto do seu desenvolvimento cognitivo.
Um aluno indisciplinado, portanto, é aquele que possui uma conduta desviante em relação a uma norma explícita ou implícita.


COMO ENFRENTAR A INDISCIPLINA NA ESCOLA?

Olhando pelo referencial da escola e na medida em que se manifestam as contradições com relação aos referenciais  que ela assume, poderia se considerar que é a escola a indisciplinada. Por exemplo, uma escola que se assume como democrática e que manifesta uma ausência desses valores na forma de articular as relações entre alunos e professores pode desencadear resistência, oposição e rebelião por parte dos alunos. A rebelião que, sem considerar o contexto, poderia ser vista como uma forma de indisciplina encontra aqui legitimidade e pertinência.
Se tomarmos o professor como ponto de referencia, são suas condutas que aparecem como indisciplinadas quando ele não respeita as normas estabelecidas. Além do mais, muitas vezes, a forma de intervir do professor para estabelecer ordem pode gerar indisciplina nos alunos.
E, cada caso, é necessário questionar o grau de participação da escola na causa da indisciplina, e não assumir a posição ingênua e autoritária que sugere, sem fundamento algum, que o problema reside e se origina na atitude do estudante. Se o objetivo for, por exemplo, a formação de um adulto crítico, capaz de pensar e intervir na realidade social e exercer assim uma conduta cidadã, o exercício do pensamento crítico na escola pode tomar a forma de condutas de rebelião e criar situações de conflitos com as quais os professores não estão suficientemente preparados para lidar. Além do mais, nesse caso, podemos nos perguntar se estamos diante de uma indisciplina ou de uma consciência social em formação. É evidente que, se quisermos que os alunos avancem no sentido da cidadania, é necessário prepará-los para pensar e resolver conflitos. Se eles não se sentirem capazes de elaborar e participar na solução de problemas que, em última instancia, podem ir além dos problemas escolares, as condutas de indisciplina será inevitáveis. E a questão é que o professor também não está preparado para resolver os distúrbios que acontecem em sala de aula.
Reagir à indisciplina de maneira razoável, apostando no raciocínio das crianças, tem mais probabilidade de dar seus frutos em longo prazo. Mas é difícil alcançar um equilíbrio no ensino entre a promoção de uma consciência coletiva e o desenvolvimento do indivíduo.
Uma estratégia em matéria de conduta não serve se o aluno não vê interesse ou pertinência no que a escola propõe. Pode-se impor a obediência, mas não a vontade de aprender. É provável que as condutas que preocupam o professor sejam as condutas disruptivas na sala de aula, porque elas perturbam e o impedem de exercer a sua função. Como se manifestam essas condutas? O problema é que se manifestam em situações particulares e não se apresentam sempre da mesma maneira. Às vezes, é um pequeno grupo de alunos que, ao se aliar, desestabiliza a dinâmica da aula com condutas particular tais como o desafio verbal, a resistência às atividades propostas ou as brincadeiras insolentes em relação ao professor.
Essas crianças tentam testar o poder do professor e descobrir até onde podem chegar. Quando não consegue controlar a situação, o professor, inquieto e saturado, pode se expressar agressivamente, desqualificando o aluno que aparece como o mais provocador. Aluno e professor enfrentam, enxergam-se como inimigos potenciais e estão na defensiva. O problema é que, objetivamente, a relação professor/aluno é desigual. O adulto não pode se comportar feito  criança e a criança não é um adulto. Cada um tem seu papel e ambos ocupam lugares que não são intercambiáveis.  É preciso compreender que isso não significa que não possam colaborar e dialogar, mas, se adulto e criança fossem iguais, para que existiria a escola? As condutas e situações de indisciplina geram angústia e quando há angústia  não se pode estabelecer uma relação adequada entre professor e aluno;portanto, não se pode estabelecer um clima de trabalho e respeito mutuo.
Se os alunos tiverem na frente da turma uma adulto que os respeita, que os escuta, que os trata como pessoas que pensam e que têm o que dizer, e não apenas como alunos que não sabem, situações angustiantes, provavelmente, não ocorrerão.
Se as situações de indisciplina escolar têm relação com uma perspectiva pedagógica, isso não significa que outras  perspectivas não intervenham. Quais são as concepções das práticas disciplinares? Como situá-las no contexto cultural e sócio-educativo?
Em geral, o conceito de indisciplina é definido em relação ao conceito de disciplina, que na linguagem corrente significa regra de conduta comum a uma coletividade para manter a boa ordem e, por extensão, a obediência à regra. Evoca-se também a sanção e o castigo  que se impõem  quando não se obedece à regra. Assim, o conceito de disciplina está relacionado com a existência de regras; e o de indisciplina, com a desobediência a essas regras.
No plano individual, a palavra disciplina pode ter significados diferentes, e se, para um professor, indisciplina é não ter o caderno organizado; para outro, ma turma será caracterizada como indisciplinada se não fizer silencio absoluto e, já para um terceiro, a indisciplina poderá ser vista de maneira positiva, considerada sinal de criatividade e de construção de conhecimentos.
Por que, então, hoje falamos em indisciplina como se fosse um problema fundamental da educação?
É que as condutas indisciplinadas se generalizam, aas crianças já não obedecem mais, a ideia e limites desapareceu, a sociedade se transformou,  as crianças também mudaram e já sabemos o que é preciso fazer. Poderíamos dizer que a indisciplina é provocada por problemas psicológicos, ou familiares, ou da estruturação escolar, ou das circunstancias sócio-históricas, ou, então, que a indisciplina é causada pelo professor, pela sua personalidade, pelo seu método pedagógico, etc. Na realidade, a indisciplina não apenas tem causas múltiplas, como também se transforma, uma vez que depende de todo um contexto sociocultural que lhe dá sentido.
As regras de disciplina podem regular a conduta no sentido de permitir, proibir ou possibilitar. Podem, também, viabilizar a criação. Para isso, o professor deve deixar o aluno falar, perguntar, mexer-se,  expressar-se com  liberdade e elaborar as suas próprias ideias.
Porém, se a disciplina é uma prática social, ter disciplina para algo não significa ser disciplinado para tudo. A disciplina escolar não se identifica com ordem, e sim co  práticas que têm diferentes tipos de exigência. Assim como muitas  práticas sociais, as condutas de indisciplina chegaram  a se transformar num sintoma de um comportamento individual, um desvio, fazendo co  que os alunos sejam qualificados ou diagnosticados como instáveis, acelerados, egoístas, individualistas, desrespeitados, insolentes ou hiperativos. E mais, muitas vezes a indisciplina é interpretada como uma doença que deve ser curada com remédios. Então, prescreve-se ritalina para todos. A indisciplina vira problema para especialistas, médicos ou psicológicos, e deixa de ser um problema que concerne ao professor ou aos pais.


 Texto apresentado durante o Curso de Magistério.
 Professora D. Vanessa Barbosa


Escola Elementar Gambela, no distrito de Welisso, na Etiópia (Grau 1, música, 9 de outubro de 2009) Foto: Julian Germain/Classroom Portraits 2004-2012/Divulgação


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