domingo, 8 de maio de 2016

Sobre a solidão

Um amor que eu tivesse...que eu teria

            Dia desses, indo ao médico e mencionando minha solidão, ele me alertava que é preciso ter fé. E me fala do  voluntariado para preencher vazios e tristezas. Eu acho que ele não entendeu meu desabafo, meu pedido de socorro.
            Eu acredito no trabalho voluntário e até admiro, mas não era disso que falava. E fé, eu tenho fé. Acredito numa porção de coisas, além da fé religiosa. Creio, principalmente, em transformações, advindas de uma vontade e de ações. Nada acontece só por se querer, é preciso fazer.
            Mas também não era disso que eu estava falando.  Eu falava dessa solidão que sinto enquanto observo os passarinhos namoriscando na beira do meu telhado. O homem é um bicho par, então cadê o meu? A solidão a qual me impus, numa época de minha vida, já não tem razão de ser. Deixou de ser necessidade para virar um fardo. Porque a tristeza de ser um não tem recurso.
            Voltando aos passarinhos   —é sabido que os amo  — distraio-me vendo suas idas e vindas e nos beijos que trocam a cada encontro, numa demonstração explicita de carinho. Fico pensando no turbilhão de carinhos meus que ficaram represados. Meu Deus, dou-me conta que minha vida se esvai e que não haverá tempo, nem ninguém para externá-los. Posso distribuir uma gama de sentimentos a outras pessoas, que convivem comigo e que fazem parte de minha vida e até ser feliz por isso, mas não é disso que falo. Filhos, a gente ama imensuravelmente, sem condições, mas eles não são nossos. Nós os criamos para a vida, e uma hora eles se vão. E tem que ser assim para que haja continuidade. Para eles seremos sempre a barricada, nas atribulações, podemos ser tanto a primeira quanto a última instância, o que nos outorga um poder, um privilégio, mas alcançada a calmaria, retornam aos próprios espaços, aos próprios pensamentos. E deve ser assim!
 Além disso, não há como transferir sensações de prazer nos diversos tipos de relações que temos ao longo da vida. Cada uma tem seu lugar e sentidos definidos. O ser humano é pródigo em fazer essa separação de sentimentos.
Eu falo do sentimento que nos coloca no mundo do outro como único. Aquele que se busca, em qualquer instante para compartilhar, para acrescentar. A quem se dirije o primeiro e último pensamento, na alegria ou na tristeza. Ao ver a flor...a chuva... o sorriso... a música... ou todas as cores... As coisas dessa vida,  os sentimentos ou as ideias. A pessoa que se escolhe para um caminho. O companheiro. O amante.
            É certo que tive amores! Sempre fui passional, intensa. Mas, vejo agora, não eram tão amores, já que se esgotaram. E amor, para ser prazeroso, tem que ser renovado a cada dia. Nada daquela submissão melodramática que se vê por aí. A  delícia do amor tem que vir junto com o respeito à individualidade. É preciso ser um primeiro, para aprender a ser dois. Na medida certa. E as pessoas que encontrei não tiveram essa medida. E aqui estou, sem arrependimentos, ou lamúrias, porém só, ímpar.
            Onde buscar um amor , não que preencha, mas que complemente? Onde buscar um amor que afague, não somente um corpo mas também e, principalmente, a alma? Onde encontrar um amor capaz de  suscitar emoções num esgotamento sem fim, em um paradoxo de matar de prazer quem anseia pela vida?
            Também é certo que por mais que o homem faça, a busca pela  riqueza, poder, nada disso se equipara à felicidade de ter a pessoa amada. Não como um brinquedo em que o prazer é de uma só via, mas sempre duplo, e em construção. Um amor que  leve a se emocionar com essas cores, essa luz de outono, essa paz de namoro de passarinhos
            Tudo o que se espera nessa vida é  que depois de travadas todas as batalhas cotidianas, ao fechar a porta,  haja dois braços que te acolhem, e que haja mãos suavíssimas em carícias, capazes de matar em momentos de paz que somente dois reconhecem. Em que se perceba o quanto  o outro é capaz de fazer pela própria felicidade e pelo amado. Para sempre ou enquanto dure.

Lécia Conceição de Freitas


Nenhum comentário:

Postar um comentário