terça-feira, 28 de junho de 2016

Nos Escombros


Amanhã, após o sol, vou abrir as gavetas. Vou retirar todas aquelas coisas que me lembram você. Os papéis de bala com nozinho no meio, os cordões e fitas que amarraram presentes de outrora, mil bilhetinhos escritos até em guardanapos de bar, com declarações, e que contam nossa história, para mim tão linda. Vou retirar tudo, vou olhar até nos cantinhos e escaninhos secretos, sem dó, sem escolher nenhum objeto mais lindo, mais significativo.
Amanhã, depois do sol, vou limpar o pó que se acumula sobre tudo aqui e que fala desse meu desleixo que tomou conta de tudo, desde aquele dia que você se foi sem me olhar de frente. Vou aproveitar e jogar fora todas as flores que murcharam abandonadas. Até as flores de plástico murcharam.
Vou aproveitar e lavar aquele monte de louça acumulada, tirar o lixo, preparar alguma comida que estou farta dos biscoitos com leite nas poucas vezes que lembrei de me alimentar. Vou ver o que tem na geladeira, aquele resto de sorvete que ninguém quis, a metade de vinho que ficou.
Amanhã, vou tentar limpar tudo e retirar os escombros, os cacos, os pedaços que você deixou. Vou lhe procurar por todos os cantos, o seu cheiro ainda impregnado em tudo que é meu. Todos os seus sons, gritando nos espaços, seu riso, que encantava, mesmo quando ria de mim, por qualquer motivo. Vai ser preciso procurar bem, porque é certo que meu coração vai escondê-lo, para que não se vá de todo.
Amanhã, após o nascer do sol, farei tudo isso. Só não vou limpar a caixa de mensagens. Ainda não. De vez em quando vou lá rever todo aquilo. Vou reler aquelas frases, uma por uma, ouvir você me chamando de querida outra vez, sentir os milhões de beijos que me deu, todo aquele carinho. Vou sentir o perfume de todas aquelas flores que me mandava a cada manhã e também durante o dia. Vou receber os bons dias e boas noites, como se fossem de agora. E fazer brilhar, só porque eu quero, aquela lua e todas as estrelas daquele desenho que fez pra mim. E todos os poemas e poesias melosas e lindas, de todas as escolas literárias, que compôs pra sua amada. (Era assim que me chamava!) . Vou me ver novamente nas muitas fotos de casais se beijando, e vou receber enternecida aqueles corações entrelaçados mais bregas, mas que eu achava a coisa mais linda, mais fofa, mais declaração. E vou ouvir todas as músicas que me enviou, até a da Ana Carolina, sua preferida, e fazer de conta que você está cantando pra mim. E por mais um momento, mais que um momento, você vai ficar aqui dentro.
Nem amanhã, nem depois de manhã, vou apagar tudo isso. Todas as lembranças ficarão lá. Será minha caixinha de Pândora. Até um dia em que não doer tanto. Até o dia em que puder colocar tudo no lugar das boas e doces lembranças, abrindo espaço para as lembranças novas que, certamente, hão de chegar.
Lécia Freitas


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