quinta-feira, 28 de julho de 2016

BAGAGENS

Às vezes faltam gavetas. Para guardar as lembranças É que elas estão esparramadas pela casa. São tantas que se tropeça nelas. São tantas que, às vezes, nos machucamos em suas quinas e ferpas. Nessa hora, precisamos guardá-las, para nossa sobrevivência, mas faltam gavetas. Então percebemos como preencheram todos os nossas espaços. Como durante um tempo foram tudo em nossa vida. Não eram apenas lembranças naqueles dias felizes. Nem pensávamos que seriam. Eram nossas vivências.

São as mensagens doces, as flores que secaram dentro de livros, as músicas que ouvimos, todos os DVD’s que ainda guardam sua digitais meladas pela pipoca. E seu cheiro que ainda sinto no ar, mesmo sem querer e que respiro, e que sugo como a essência da minha vida, e que não vou saber viver sem ele depois que ele se for totalmente, porque um dia vou ter que abrir as janelas, mas que não abro agora para que nem o pó que contém sua lembrança se acabe. Aquele suéter que desfiou e ainda está no fundo do armário esperando um tempo para o conserto que não virá nunca porque não vou devolver. Não sou supermulher para dar uma de superior e fingir que não estou sentindo nada. Vou vesti-lo de vez em quando e pensar que você ainda vai voltar e me dar um sorriso por isso porque ele fica enorme em mim. E aquele pacote de biscoito que eu comprava e escondia porque era seu preferido e eu gostava de fazer chantagem trocando por beijos quando brincávamos de ser crianças em tarde frias, mas tão aconchegantes e que eu sentava em seu colo quando terminava aquela série que você adora. Devo guardar o restinho do seu creme de barbear e tentar esquecer sua barba crescida na minha nuca suçando e me instigando em delícias sem fim e que eu fingia que estava doendo só para te dar sentimento de culpa e por isso ficava me dando beijos por todo lado com aquela carinha de menino que nunca vai sair da minha memória.
Onde vou encontrar espaços para as muitas risadas que dei em todos os momentos que me fazia feliz e que eu achava que a vida era muito mais bela do que achava aquele cara do filme e que isso nunca iria acabar porque eu pensava que eu era todas as princesas dos contos de fadas e que assim era nossa vida.
É preciso também encontrar espaço para aquelas faixas que amarrava nos pés quando ia ao futebol e que eu escondia numa tentativa tola de prendê-lo em casa, mas acabava entregando, e eu sempre concordava em acompanhá-lo porque achava que você gostava disso e que companheira é para todas as horas.
Onde vou guardar os objetos que você deixou na área, e que eu fiz questão de não lembrar porque sempre tive esperanças de que voltaria nem que fosse para buscá-los e que aí então eu o convidaria para uma xicara de café ou de qualquer outra coisa só para que entrasse e demorasse e visse o quanto de vazio ficou em mim. Tanto, que nem cabe nas gavetas.

Lécia Freitas

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