segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O mundo da gente morre antes da gente

A vida que conhecemos começa a desaparecer lentamente, num movimento silencioso que se infiltra nos dias, junto com aqueles que fizeram da nossa época o que ela é

A expressão mais perfeita que conheço para explicar a brutalidade do acaso em nossas vidas é ainda a de Joan Didion. Ela disse, em simplicidade exata: “A vida muda num instante. Você se senta para jantar e a vida que você conhecia acaba de repente”. Joan, jornalista e escritora americana, escreveu essa frase em seu livro O ano do pensamento mágico, no qual narra a morte repentina do marido e a sua busca para compreender o incompreensível. Nos últimos dias, Renata, a mulher de Eduardo Campos, repetiria aos amigos: “Não estava no script”.
Não poderia estar no script. Poucos homens planejaram a sua carreira política de forma tão meticulosa quanto Eduardo Campos. E então, ele toma café com a família, embarca num avião para dar sequência à sua primeira campanha presidencial, aquela que poderia levá-lo à presidência do Brasil não agora, mas em 2018, e morre. O gesto largo de uma vida interrompido num instante. Antes do final da manhã ele já não está. E os brasileiros de qualquer ideologia, ou sem nenhuma, são atravessados pela tragédia. A do homem perdido, em seu momento de máxima potência, mas também a de ser atingido pela força do incontrolável. Penso que cada um de nós, ou pelo menos a maioria, sentiu a lufada de vento entre as costelas, aquela que está sempre ali, mas fingimos que não existe.
De fato, a morte – repentina ou penosa, como nas doenças prolongadas, precoce ou tardia – é, como sabemos, a única certeza do nosso script. Um dia, simplesmente, já não se está. Como na cena do documentário de João Moreira Salles em que Santiago, o mordomo que dá título ao filme, cita o cineasta Ingmar Bergman: “Somos mortos insepultos, apodrecendo debaixo de um céu cruento e vazio”.

O drama de quem alcançou a promessa de uma vida longa é a solidão de estar vivo numa vida que já morreu

Se fizéssemos um retrato agora, de todos os vivos, teríamos também um obituário: daqui a 100 anos estaremos todos mortos. Olhamos pela janela e todos os que vimos em seu esforço cotidiano, carregando-se para o ponto de ônibus, sintonizando a rádio preferida ao sentar-se no carro, puxando assunto na padaria ou desferindo seu ódio e seu medo em pequenas brutalidades serão finados (palavra de tanto simbolismo), em menor ou maior prazo. Assim como finado será aquele que espia a única paisagem que não muda numa vida humana, a de que, para o indivíduo, o futuro está morto.
A verdade, que talvez nem todos percebam, é que se morre aos poucos. Não apenas pela frase clássica de que começamos a morrer ao nascer. De que cada dia seguinte arrasta o cadáver do dia anterior. De que cada amanhã é um dia a mais – mas porque é um dia a menos. Ao entrevistar os que envelheceram, descubro-os surpreendidos pelo drama menos nítido, aquele se infiltra lentamente nos interstícios dos dias: o de que o mundo da gente morre antes da gente.
Esse é o susto de quem alcançou a promessa da nossa época, a de uma vida longa. A de morrer só, mesmo quando cercado por filhos e netos. Só, porque aqueles que sabiam dele, aqueles que compartilharam o mesmo tempo, morreram antes. Aqueles que conheceram o menino, o levaram embora ao partir. Os que o viram jovem carregaram a sua juventude em lembranças que desapareceram porque já não há quem delas possa lembrar. Só, porque um certo modo de estar no mundo acabou antes. A solidão de estar vivo numa vida que já morreu.
Pouco antes de lançar O ano do pensamento mágico, Joan Didion perdeu a única filha. Depois do marido, a filha. Era a dor não nomeável da inversão da lógica, a de sepultar aquela que deveria sepultá-la. Mas era algo ainda além, o de se tornar a mulher que restou. Seu livro seguinte, Noites Azuis, fala dessa condição, a de ter sobrado viva ao envelhecer. A de se descobrir só e frágil, atenta aos degraus para não cair. Para mim, é um livro melhor do que o primeiro, mas diz de algo ainda mais duro do que a perda do companheiro de uma vida. Talvez tenha feito menos sucesso por falar dessa dor insuportável, em que viver mais do que os seus afetos é ter de viver a morte que ultrapassa a morte.
Pensava que essa era uma condição restrita à velhice. A surpresa final de que o melhor cenário, o de viver mais, era também o de perder mais. Mas descobri que esse morrer começa muito antes. E de forma ainda mais insidiosa. Esses meses de 2014 têm nos mostrado isso com uma força talvez maior. É uma coincidência, claro, não uma confluência escrita nas estrelas ou em qualquer profecia. O mundo da gente, em especial das gentes com mais de 40 anos, porque é nessa altura que sentimos que já temos um passado e o futuro é uma segunda metade incerta, tem morrido muito. E rápido, às vezes um sobressalto por dia, às vezes dois.

Há algo de desestabilizador no ato de testemunhar o momento exato em que um imortal morre

Cada um tem seu susto. Acho que o meu foi com Nico Nicolaiewsky, que levava junto com ele momentos em que fui completamente feliz – e são tão raras as vezes em que somos completamente felizes – assistindo aTangos &Tragédias no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. Morreu cinco dias depois de Eduardo Coutinho e Philip Seymour Hoffman, dois gigantes. Cada um com sua tragédia, abriram um buraco na paisagem do mundo. Depois, José Wilker um dia não acordou. E não haveria Vadinho para me assombrar.
Não parou mais. De repente o mundo já não tinha mais Gabriel García Márquez, Jair Rodrigues, Alan Resnais, Paco de Lucia, Shirley Temple, Luciano do Valle, Nadine Gordimer, Paulo Goulart, Bellini, James Garner, Rose Marie Muraro, Max Nunes, Plinio de Arruda Sampaio, Lauren Bacall. No espaço de seis dias de julho, Rubem Alves, João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna desapareceram. Rubem Alves, que desfazia anos nos aniversários e dizia que “a hora para comer morangos é sempre agora”. De repente o mundo já não tinha Vange Leonel. Como é possível? Eu a tinha lido no Twitter um instante atrás. E Nicolau Sevcenko se foi horas depois de Eduardo Campos.
Nenhuma dessas pessoas convivia comigo, eu não frequentava a casa de nenhuma. A maioria delas nunca sequer vi. De fato, o que delas vive em mim independe de sua existência física. Algumas são apenas flashes de um cotidiano em que por décadas elas apareceram, seja em novelas, na narrativa de um jogo de futebol, num debate político. Outras, me constituem. Seus livros e músicas não têm idade, nos filmes ainda são jovens e belas. Concretamente, deveria fazer tão pouca diferença estarem ou não aqui, na miudeza dos dias, numa rotina que de qualquer modo não faria parte da minha, quanto Sófocles, que morreu mais de dois mil e quatrocentos anos atrás, ou Shakespeare ou Beethoven ou Picasso. Ou Machado de Assis. Ou mesmo Garrincha. Estes, que conseguiram transcender sua vida ao proporcionar transcendência pela grandeza de sua obra, para as sucessivas gerações, ao infinito, são imortais. É um fato, todo mundo sabe, mas descubro que não é bem assim.
Qual é a diferença de Gabriel García Márquez estar vivo ou morto, se a chance de eu tomar um café com ele era remota e sempre vou ter meu O amor nos tempos do cólera na estante, para que ele possa reviver em mim? O que percebo é que há uma diferença. Há algo de melancólico, desestabilizador, em testemunhar o momento exato em que um imortal morre.
Suspeito que, naquele momento-limite em que a vida se extingue, a permanência da obra faça pouca diferença. Talvez o imortal que morre trocasse toda a sua imortalidade por dividir uma última vez uma garrafa de vinho com o melhor amigo ou por mais uma noite de amor lambuzado com a mulher que ama ou apenas para ler o jornal na mesa da cozinha no café da manhã. Talvez o imortal fique mortal demais nessa hora, fique parecido demais com todos os outros. Como disse Woody Allen: “Não quero atingir a imortalidade através de minha obra. Quero atingi-la não morrendo”. E desde então temo me confrontar com seu obituário numa manchete na internet.
De certo modo, é assim que o mundo da gente começa a morrer antes da gente. Não apenas pela perda dos nossos afetos de perto, mas também pelo filme que Philip Seymour Hoffman não fará ou pelo livro que Ariano Suassuna não escreverá enquanto dividimos com ele o mesmo tempo histórico. Ou simplesmente por nenhum deles poder dizer mais nada de comezinho ou mesmo fazer alguma besteira, qualquer coisa de humano. Deles ficaremos só com o que foi grande, mesmo a bobagem terá de ser relevante para merecer permanecer na biografia. Ao mesmo tempo em que a morte os devolve de imediato à condição humana, os tira para sempre dela. E logo o boteco de João Ubaldo já não terá cheiro.
A primeira vez que senti a infiltração de algo irreversível no meu mundo foi a morte de Marlon Brando, dez anos atrás. A morte ainda não me bafejava como hoje, mas passei alguns dias prostrada por alguém que para mim já tinha nascido imortal. Percebi então que fazia diferença lembrar dele berrando “Steeeeeeeela” em Um bonde chamado desejo e, ao mesmo tempo, poder mencionar qualquer coisa boba como: “Nossa, como ele está gordo agora”. De repente, ele não podia mais engordar nem nos espantar com sua existência descuidada. Só restaria grandioso. E, portanto, fora da vida. (Da nossa vida.)
Marlon Brando, como García Márquez, como Ariano Suassuna, como tantos agora, não se sabiam meus, mas eram. Ao me deixarem, morro um pouco. Uma versão de nós morre sempre que morre alguém que amamos e que nos ama, porque essa pessoa leva com ela o seu olhar sobre nós, que é único. Uma parte de nós também morre quando não podemos mais compartilhar a mesma época com quem fez do nosso mundo o que ele é. E agora, fico esperando a cada momento uma nova notícia, porque sei que elas não mais deixarão de chegar.
Tive uma reação estranha ao saber da morte de Robin Williams. Quantos anos ele tinha?, perguntei primeiro. Sessenta e três. E me senti apunhalada com a resposta. Muito cedo, muito cedo. De que morreu? Parece que foi suicídio. E me senti de imediato aliviada. Pode parecer surpreendente, mas meu alívio se deu porque de que alguma maneira era uma escolha. Não era coração, não era câncer, não era AVC, não era avião. Por mais terrível que seja o ato de interromper a vida, ele pressupõe, em alguma medida, uma potência e um controle.
Ao mesmo tempo em que a morte devolve aqueles que admiramos à condição humana, os tira dela para sempre

Pode-se argumentar que uma depressão ou um desespero impede a escolha, mas acho que essa não é toda a verdade. Nossas escolhas nunca são consumadas em condições ideais nem nosso arbítrio é totalmente livre. Só conseguimos fazer escolhas determinadas pelas circunstâncias do que vivemos e do que somos naquele momento. Por mais que nos surpreenda a escuridão do homem que nos deu tanta alegria, de algum modo ele elegeu a hora de morrer. O que para muitos foi razão para aumentar a dor pela sua morte, porque ela poderia ter sido evitada, para mim foi alívio por ele não ter sua vida interrompida à revelia. De algum modo, me soaria mais insuportável se Robin Williams tivesse morrido tão cedo por um infarto ou um acidente.
Acredito mais na interpretação do jornalista americano Lee Siegel, quando ele diz que “talvez tenha sido a empatia que o matou – e não seu desespero com o diagnóstico recente de Parkinson”. A capacidade de Robin Williams para vestir a pele do outro, de todos os outros, levada por ele a patamares quase insuperáveis. “Sua necessidade passional de se transformar em todos que ele encontrava, qualquer que fosse sua origem étnica ou social – como se com isso pudesse vencer sua solitária e irreversível finitude humana.” Há algum tempo o lento morrer do seu mundo o assombrava, segundo os mais próximos Robin parecia incapaz de superar o desaparecimento do amigo e do homem que o inspirou, o comediante Jonathan Winters, que se foi em abril.
Seus fãs, as pessoas cuja vida a sua vida tornou melhor, deixaram flores nos lugares em que viveram seus personagens. Um banco de praça em que gravou cenas de O Gênio Indomável, com Matt Damon. A casa em que foi Ms. Doubtfire, a babá. Era ali que ele morria para nunca morrer. Era ali que ele jamais deixaria de estar. Não há lugar para a morte. Como haveria lugar para a morte? Mas é preciso dar um lugar à morte para que a vida possa continuar. É para isso que criamos nossos cemitérios dentro ou fora de nós. Em geral, mais dentro do que fora. A vida é também carregar os mortos no último lugar em que podem viver, em nossas memórias. E aos poucos nos tornamos um cemitério cada vez mais habitado por aqueles que só vivem em nós.
A morte de Robin Williams, Gabriel García Márquez, Ariano Suassuna e de tantos levou um pouco de mim. Minha morte levará um pouco deles e de tantos, como a lembrança das lágrimas que chorei ao ver Sociedade dos poetas mortos ou a imagem de Aureliano Buendía que só eu tinha ou a minha pedra do reino. Morro um pouco com cada um deles porque vivi um pouco com cada um deles.
É essa a morte silenciosa que vai se alastrando pelos dias. Conto meus imortais ainda vivos, os de longe e os de perto. Digo seus nomes, como se os invocando. Peço que não se apressem, que não me deixem só, que não me deixem sem saber de mim. O acaso, a vida que muda num instante, me assusta tanto quanto esse meu mundo que morre devagar. É essa a brisa quase imperceptível que adivinho soprando nos meus ossos. Muitas vezes finjo que não a escuto. Mas ela continua ali, intermitente, sussurrando para eu não esquecer de viver.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da RuaA Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com Email:elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum


domingo, 24 de janeiro de 2016

ESTUDO DE LITERATURA

AMOR DE PERDIÇÃO

CAMILO CASTELO BRANCO - O Autor
Nasceu em 16 de março de 1825 na freguesia dos Mártires, em Lisboa, Portugal. Filho de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco e de Jacinta Rosa do Espírito Santo Ferreira, ficou órfão de mãe com um ano e de pai aos 10 anos. Foi morar com uma tia e depois com sua irmã mais velha. Em 1841, com apenas 16 anos, casou-se com uma jovem de 15 anos, Joaquina Pereira, mas logo a abandonou. Em 1843 ingressou na Escola Médica do Porto, mas não seguiu o curso. Em 1845 suas primeiras obras literárias foram publicadas. Em 1846 fugiu com a jovem Patrícia Emília, mas a abandona, poucos anos depois. em 1847 morreu  Joaquina, de quem estava separado, e a filha do casal morreu no ano seguinte. Em 1850 ingressou no seminário do Porto, pretendendo seguir a vida religiosa. Nesse ano conheceu Ana Plácido, que casada com um comerciante brasileiro, abandonou o marido em 1859 e foi viver com Camilo. Em 1860 é processado e preso por crime de adultério, mas é absolvido no ano seguinte, passando a viver com Ana. O casal foi morar em Lisboa e depois em São Miguel de Seide, sempre com muitos problemas financeiros. Em 1863 publica "Amor de Perdição", sua novela mais famosa. Sua vida atribulada lhe deu inspiração para os temas de suas novelas.
Camilo inscreve-se no segundo momento romântico português, chamado de Ultrarromantismo. Em vez de falar do nacionalismo, característica da primeira fase do Romantismo, ele optou por escrever sobre sentimentos. O Romantismo surgiu na primeira metade do século XIX, intencionado pela ascensão da burguesia, provocada pela Revolução Francesa e fortalecida com as Revoluções Liberais de 1830 e 1848. O exagero desse individualismo, o tédio e o ceticismo diante da existência criam a sensação indefinida de insatisfação a que os românticos davam o nome de "Mal do Século". O romance romântico aborda o amor nas suas formas mais extremas, acima do controle da razão, é sempre ligado á morte. Ele escrevia para o público, diferentemente da maioria dos escritores da época que preferiam escrever algo mais pessoal, mas apesar disso ele conseguiu manter as suas publicações bastante originais. Mesmo com o reconhecimento Camilo estava depressivo, pois havia contraído uma doença que lhe deixaria cego. Logo após o diagnóstico definitivo de que iria ficar cego, ele comete suicídio em São Miguel de Seide no dia 1 de junho de 1890.
A OBRA
Em Amor de Perdição a história se baseia em três elementos fundamentais: a família, o amor e o ódio entre as famílias. O casal protagonista, Simão e Teresa se amam e desejam viver esse amor. No entanto as famílias dos jovens se odeiam o que torna o amor impossível. Esse é o amor ideal próprio do Romantismo.  E junto com o amor há sempre a ideia da morte mencionada em diversas partes do texto. "Não me esqueças tu e achar-me-ás no convento, ou no Céu, sempre tua do coração,’’
"– Hás de casar! Quero que cases! Quero...Quando não, serás amaldiçoada para sempre, Teresa! Morrerás num convento.”

ENREDO
            Na introdução do romance, o narrador-autor apresenta o registro de prisão de Simão Botelho nas cadeias da Relação do Porto e a data em que foi degredado para a Índia.  Com apenas 18 anos, idade em que deveria estar começando a aproveitar as coisa boas da vida, é preso em circunstância ligada à primeira paixão. O narrador fala diretamente ao leitor as emoções que essa tragédia irá provocar principalmente a revolta diante da falsa virtude de homens injustos e frios.
            Em seguida começa a contar a história da família Botelho da qual faz parte o protagonista Simão Botelho. O chefe da família Domingos Botelho é formado em Direito e inicia sua carreira em Lisboa, onde é bem visto pelos reis. Apaixona-se por D. Rita Castelo, dama de D. Maria I.
            Após dez anos de tentativas, casam-se em 1779.  Em 1801 vão morar em Viseu com as três filhas. Os dois filhos homens estudam em Coimbra e têm temperamentos diferentes. Manuel, o mais velho reclama ao pai do irmão mais novo avisando-o de seus maus modos, porem o pai não se importa. Somente quando, durante as férias em casa, Simão briga para defender um criado que fora espancado, o pai se enfurece e deseja que ele seja preso. A mãe o protege-o, e ajuda Simão a fugir para Coimbra até que passe a raiva do pai.
            Simão tem ideias revolucionarias e começa a defender a Revolução Francesa em público o que o leva a ser preso por seis meses. Com isso, Simão perde o ano na escola e vai para casa dos pais. Seu pai não o perdoa, mantendo-se frio e distante, sem falar com o filho.
            Durante esse tempo, Simão conhece Teresa filha de Tadeu Albuquerque vizinho de seus pais. Ele se apaixona pela moça, o que faz com que ele mude o comportamento, tonando-se caseiro e pensativo.  Contudo as duas famílias tinham uma inimizade que começou devido a sentenças feitas por Botelho e que atrapalhou os interesses de Albuquerque. Além disso, Simão em uma briga recente havia machucado empregados de Albuquerque. Mesmo sabendo da inimizade de suas famílias e da impossibilidade desse amor, os dois jovens se encontram às escondidas e sonham em se casarem. Planejam uma vida em comum e serem felizes.
            Na véspera de seu retorno à Coimbra, os dois jovens conversam pela janela quando são surpreendidos por Albuquerque que reage arrastando a filha. Devido ao desespero, Simão fica nervoso, mesmo assim, parte para Coimbra, planejando voltar em segredo para se comunicar com Teresa. Pouco antes de sair para viajar, uma mendiga lhe entrega um bilhete da jovem, revelando as ameaças do pai de colocá-la num convento.  No bilhete ela pede a Simão que vá para Coimbra e que ela  manterá contato.
            Tereza e Rita, irmã caçula de Simão, começam uma amizade e a mantêm em segredo, conversando através das janelas. Numa dessas conversas são surpreendidas por Botelho que pressiona a filha obrigando-a a revelar o que sabe.  Albuquerque também percebe o que está acontecendo, mas demonstra tranquilidade por considerar que, nesses casos, mantendo a filha distante do rapaz irá terminar com aquela paixão. Além disso, planeja casá-la com Baltasar Coutinho, um primo, a quem estima muito. Teresa, naturalmente, nega-se a qualquer relacionamento com Baltasar que insiste em saber as razões da jovem em recusá-lo. Ao tomar conhecimento do amor da jovem por Simão, jura que irá se colocar contra esse romance.
            Ao recusar se unir a Baltasar, Teresa enfurece, mas ainda seu pai que decide mandá-la para o convento. Nesse meio tempo, Teresa escreve toda semana para Simão, mas não conta as ameaças do pai, nem do seu primo, para evitar mais brigas. Teresa manda uma carta ao amado narrando os últimos acontecimentos, ele rapidamente retorna para Viseu. 
             Simão aluga um cavalo e pede ao dono dele que lhe indique um refúgio na cidade de Viseu. O moço, então, lhe indica a casa de João da Cruz, um ferrador, seu cunhado. Ao chegar a Viseu, de longe Simão percebe que há festa em casa de Teresa. Seu pai, tenta por meio do conhecimento de outros rapazes, que Teresa deixe de amar o filho de seu inimigo.  Entre os convidados está Baltasar que a observa, percebendo que ela sai da sala e se dirige ao quintal. Ela volta logo, porém quando vai ao jardim é seguida por Baltasar. Teres percebe sua presença e volta a casa. Numa terceira tentativa vai ao encontro de Simão que lhe esperava, conforme combinado na carta que lhe escreveu. Baltasar, que estava escondido, aparece a Simão e o ameaça, sem, dizer quem é. Simão resolve voltar na noite seguinte.
             João da Cruz revela a Simão que há três anos escapou da forca por causa de Botelho e que por isso, tem um sentimento de gratidão ao filho. Porém, há algum tempo fora empregado de Baltasar Coutinho que lhe emprestou dinheiro para que pudesse se estabelecer. E que há poucos meses Coutinho o procurara pedindo-lhe que matasse o próprio Simão. O ferrador procurara corregedor e lhe contara o ocorrido. Botelho então, contou ao ferrador tudo que estava acontecendo. Sabendo disso João da Cruz aconselha Simão a tentar resolver a situação de outra forma, mas ele insiste em querer ver Teresa à noite. O ferrador resolve acompanhá-lo.
            Simão, João da Cruz e o dono do cavalo seguem para Viseu. Do outro lado, Coutinho e dois homens preparam uma tocaia. Simão mal vê Teresa e decide voltar, ela vê que o clima está muito tenso e perigoso. No caminho encontram com Coutinho e matam um homem deixando outro ferido. Simão tenta fazer com que João da Cruz não mate o outro, mas ele não o escuta. Os crimes permanecem em segredo. Simão passa um tempo recuperando na casa de João da Cruz já que fora ferido no braço. Mariana, a filha de João da Cruz cuida de Simão e se apaixona por ele, porém ele não lhe dá nenhuma esperança e tem por ela apenas o carinho de um irmão. Com muito custo Teresa e Simão se correspondem, e ela narra a intenção do pai de colocá-la em um convento.
            Teresa é levada para o convento de Viseu enquanto espera a transferência para o Convento de Monchique, no Porto. A jovem se vê perdida nas intrigas, e nos vícios das freiras. Uma das freiras se dispõe a ajudá-la e ela consegue escrever para Simão. João da Cruz leva a resposta e com a ajuda de Mariana resolve o problema de falta de dinheiro de Simão dizendo ao jovem que a mãe lhe enviara dinheiro.
            Diante da certeza da partida de Teresa para Monchique, Simão se desespera e planeja raptá-la. João e a filha tentam fazê-lo mudar de ideia, mas não funciona.  Por Mariana envia uma carta a Teresa que lhe responde dizendo que uma grande escolta irá acompanhá-la, na viagem, incluindo o primo Coutinho. Simão se aflige e resolve ir ver Teresa à saída do convento e João da Cruz também vai para acompanhá-lo, com um grupo de homens, tencionando raptar a jovem. Simão não aprova o plano, mas mantém em segredo a decisão de ir ver Teresa.
            Bem de madrugada, começa a movimentação da comitiva que irá levar Teresa, formada por seu pai, criados, Coutinho e suas irmãs. Simão já bem antes chegara, os encontra e ao ser agredido por Coutinho reage com um tiro de pistola na cabeça. João da Cruz o aconselha a fugir, mas Simão se nega a isso.
Ao saber do crime a mãe de Simão pede ao pai que interceda a favor do filho. No entanto, Botelho se recusa e espera que a lei se cumpra. Simão confessa o crime, sem alegar legitima defesa o que complica sua situação. O pai decide mudar de Viseu, levando a família para que ninguém se sinta forçado a facilitar a situação de seu filho.
            Simão recebe almoço mandado pela mãe e segundo uma carta dela conclui não ter sido ela a ajudá-lo anteriormente, descobrindo ser de Mariana o dinheiro que João lhe deu, e a partir daí recusa qualquer ajuda da mãe.
            Mariana então passa a cuidar de Simão oferecendo-lhe tudo que possa precisar na cadeia. Com a condenação de Simão à forca, Mariana tem um acesso de loucura.
            Pressionado pelo restante da família  e querendo demonstrar mais influência que Albuquerque, Botelho age e consegue interceder e mudar a pena de Simão para um degredo de dez anos na Índia.
            Enquanto isso no convento de Mochique, Teresa é bem tratada  porque a prelada é uma tia sua. Ela consegue enviar cartas a Simão manifestando se sentir mau. Fica doente e só melhora ao saber que Simão será transferido para o Porto. Temendo que os dois jovens se reencontrem Albuquerque decide levá-la de novo para Viseu, mas desta vez é impedido pela prelada, que faz uso das normas do convento.
            Na cadeia, Simão recebe a visita de João da Cruz e de Mariana, que vem para servi-lo tendo novamente a possibilidade de correspondência com Teresa. Ao retornar a Viseu, João da Cruz é morto por vingança de um crime antigo. Mariana sofre, e vende tudo que tem com a intenção de acompanhar Simão no seu exílio.          Restava a Simão a alternativa de cumprir sua pena na prisão em Vila Real, mas ele prefere o degredo em liberdade, a prisão em uma cela. Simão embarca para a Índia e Mariana vai junto.
            Enquanto isso, Teresa que está muito doente relê as cartas de Simão, e em seguida, entrega-as para Constança, a criada, pedindo-lhe que as entregue a Simão.  No momento da partida do navio que levara Simão ela sobe para o mirante. De longe Simão vê Teresa acenando, ela cai morta. O capitão do navio conta a Simão os detalhes da morte de Teresa. Simão conversa com Mariana sobre sua vontade de morrer e Mariana lhe conta que morrerá logo em seguida. Simão faz com que o Comandante  comprometa-se em  cuidar de Mariana caso algo lhe aconteça.
            Nesta noite, Simão lê a última carta de Teresa, que lhe chegou junto ao maço de correspondências.  Teresa se despede na intenção de encontrar o seu amado no céu. Na manhã de 28 de março, depois de sofrer durante nove dias com febres e delírios, Simão não resiste e morre. Mariana também não resiste à morte dele e no mesmo instante que os marujos arremessam o corpo de Simão ao mar, ela se joga e abraça o corpo do amado, afundando com ele.

ANÁLISE DA OBRA
            Em Amor de Perdição encontramos o traço principal das novelas de Camilo: a visão do amor como uma espécie de destino, de fatalidade, que domina e define a vida e a morte das personagens principais. Para as suas personagens, basta essa visão do caráter da paixão amorosa, para que ela crie  um conjunto de sofrimentos: o remorso,  a percepção do amor como impossibilidade. É um marco do Ultrarromantismo português. Muito bem recebido pelo público em seu lançamento, acabou se tornando uma espécie de Romeu e Julieta de Portugal. Tem o traço daquela obra onde as nobres famílias, Botelho e Albuquerque, veem o ódio mútuo ameaçado pelo amor entre Simão Botelho e Teresa Albuquerque. Simão o herói romântico, cujos erros passados são corrigidos pelo amor, Teresa a heroína firme e resolvida em seu sentimento ao amado, e Mariana a mais romântica das personagens, com seu altruísmo, representam a dimensão amorosa, o sentimento da paixão.
            A apresentação de Simão Botelho pelo narrador-autor é completamente romântica e é feita de modo a parecer real. Os escritores românticos utilizavam recursos para que suas obras conquistassem a confiança do leitor.
            Amor de Perdição foi um romance escrito na Cadeia da Relação do Porto, em 1861. Subintitulado de Memórias de Uma Família é baseado em episódios da vida do tio Simão Botelho. Este é o romance mais popular, já traduzido em diversas línguas e adaptado ao teatro e ao cinema. Dele chegou a ser tirada uma ópera e, em 1986, fez-se uma edição da obra destinada aos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo.
            Na introdução do romance, o narrador-autor reproduz o registro de prisão de Simão Botelho nas cadeias da Relação do Porto e antecipa o degredo do moço, aos 18 anos, em circunstância ligada a uma paixão, bem como o desenlace trágico da história. Falando diretamente ao leitor, imagina a reação que tal história pode provocar: compaixão, choro, raiva, revolta frente à falsa virtude de homens injustos e bárbaros.


FOCO NARRATIVO
            A obra é escrita em terceira pessoa e apresenta um narrador onisciente, que sabe todo o universo dos personagens, sabendo até seus pensamentos e desejos. Como neste trecho em que fala de Mariana: “Se a forçassem a resignar a sua inglória missão de irmã daquele homem, resigná-la-ia dizendo: — “Ninguém o amará como eu; ninguém lhe adoçará as penas tão desinteressadamente como eu fiz” (p. 68).
             O narrador-autor comenta os sentimentos e comportamentos dos personagens, revelando a própria opinião sobre suas atitudes e sobre os acontecimentos: “Estes ardis são raros na idade inexperta de Teresa; mas a mulher do romance quase  nunca é trivial, e esta, de que rezam os meus apontamentos, era distintíssima” (p. 14).
            O pai de Tereza a obriga a ir para um convento. Nessa situação os dois jovens trocam cartas apaixonadas, inseridas na história intensificando o lado passional e dramático e podem ser considerados um importante recurso. Na narração das cartas, os dois jovens também se transformam em narradores, portanto o livro apresenta mais de um narrador.  Percebe-se a voz de Teresa na última carta que escreve a Simão: “Se eu pudesse ainda ver-te feliz neste mundo; se Deus permitisse à minha alma esta visão!...” (p. 75).


PERSONAGENS

Pertencente ao ultrarromantismo, a obra apresenta um amor idealizado na qual todos os personagens são virtuosos e não contradizem essa característica. Embora pertençam a mundos sociais diferentes o que sobressai no livro são as emoções o que possibilita a distinção da nobreza de caráter.

Teresa de Albuquerque, protagonista — heroína romântica, não apresenta evolução psicológica sendo uma personagem plana. Destaca-se pela beleza, é delicada e possui grandiosidade em seus sentimentos, sendo uma representação de mulher-anjo. Teresa não aceita o destino que a família escolheu para ela, revelando autonomia para a época. Apaixonada por Simão ela recusa em se casar com o primo Baltasar escolhido pelo pai, Tadeu Albuquerque. Troca cartas com Simão o que fomenta o amor. É esperta, determinada e manifesta força de vontade. Ao ser enclausurada pelo pai, em um convento reflete sobre a justiça divina e sobre as injustiças cometidas e que impossibilitavam a realização de sua felicidade.

Simão Antonio Botelho protagonista, o herói romântico.  Simão se revela um jovem com ideias liberais ao se rebelar contra as ideias da família. Porém, ao se sentir profundamente apaixonada pela jovem Teresa, tenta mudar o próprio jeito de ser para tentar conquistá-la. Como as famílias não permitem esse amor, Simão é levado a extremismos que acabam em mortes, o que determina o fim trágico do romance.  Sua nobreza de caráter é comprovada em diversas passagens após se entregar a polícia  por ter matado  Baltasar Coutinho. Por isso pode ser considerado um personagem redondo, com evolução na sua personalidade.
 Mariana, ama em silêncio. Mariana criada no campo pertence a uma camada mais simples da sociedade. Ela ama profundamente Simão e o ajuda na busca da felicidade, apresentando sua lealdade amorosa apesar de não ser correspondida. Pode-se dizer que Mariana é a personagem que mais sofre em todo o romance. Pois momento algum se vê com esperanças no amor de Simão por ela. Essas qualidades da personagem faz parte do estilo romântico. Junto com Simão e Teresa formam um triângulo amoroso do livro. Mariana pode ser considerada uma personagem protagonista e redonda.

João da Cruz, o camponês corajoso. Personagem secundário, que ajuda e protege Simão dando-lhe abrigo quando ele vai à Viseu, secretamente, para rever Teresa. No início o ajuda por achar que tem uma dívida de gratidão porque o corregedor, pai de Simão, o livrara da morte, depois envolve-se emocionalmente a ponto de matar para defender o rapaz. 
Baltasar Coutinho, o irritante interesseiro.  É o primo de Teresa, rapaz sem moral. Quer se casar com Teresa, movido por interesse e orgulho, disposto a qualquer coisa para conseguir o que quer. Vêm de uma família nobre e diferente de Simão, suas ações têm intenções sujas. Seus defeitos se opõem às qualidades de Simão. Personagem antagonista e plano.
Tadeu de Albuquerque, o autoritário. Pai de Teresa é arrogante, que não lhe respeita nenhum sentimento. Controla a vida da filha e quer decidir o seu destino. É inimigo do pai de Simão e por isso mesmo é contra o amor dos dois jovens. Também prefere perder a filha a perder dignidade social.  É um personagem plano e antagonista.
Domingos Botelho, o pai de Simão. Ele representa a lei e o rigor da história. Homem correto e centrado, suas ações estão sempre voltadas ao moralismo, colocando por diversas vezes a justiça acima da família. Inimigo dos Albuquerques , decide ajudar o filho Simão apenas para competir com Tadeu, o estimo com os nobres. Personagem plana e secundário.
 D. Rita Preciosa, mãe de Simão. Ela representa o sentimento materno da época, age mais por obrigação familiar do que por motivos afetivos; ajuda Simão porque esse é o seu papel e não porque o amor de mãe a leve a perdoar e a compreender as atitudes do filho. Personagem secundária e plana.

 Ritinha, irmã de Simão. Ela representa o único laço familiar para Simão. Devido a este fato ela se sobressai entre as outras irmãs de Simão. Ela o ajuda pelo que sente e não pelo que lhe é imposto. É um diferencial das mulheres daquela época.  Personagem secundária e plana.

Manuel Botelho, o irmão mais velho. No início do livro critica Simão por sua vida bagunçada quando vai morar junto dele em Coimbra, para os estudos.  Algum tempo depois acaba se envolvendo com uma mulher casada. Arrependido, confirma sua dependência familiar quando pede ajuda aos pais para devolver aos Açores a mulher comprometida com quem fugira revelando assim sua fraqueza de caráter.  

ESPAÇO FÍSICO
           
            Toda a história acontece em Portugal mais precisamente em Viseu, Coimbra e Porto, no século XIX. Os espaços, a princípio amplos, vão se aproximando à  medida que a história se encaminha para o ápice. A perda da liberdade sofrida pelos dois jovens, ele por se esconder e ela por viver trancada em casa, e no final ele  na prisão e ela no convento, representa a prisão da própria vida a qual eles não podem desfrutar. A ideia de liberdade e, portanto, de espaço, somente acontece com a morte dos dois. Os espaços adquirem uma importância na obra já que são determinantes na ação dos personagens, no desenrolar dos acontecimentos que encerram no desfecho trágico. 

ESPAÇO SOCIAL
            O espaço social se caracteriza pela:
            Nobreza representada pela mentalidade e pelas ações das duas famílias. A própria rivalidade existente revela a mesquinharia.
            Ilegalidade da justiça: verifica-se a intenção do autor de denunciar a parcialidade dos julgamentos a partir das classes e posses dos julgados e dos pedidos de pessoas influentes.
            Ilegalidade no exército: também aqui pode-se perceber as irregularidades, quando Botelho, corregedor, pede a favor de seu filho Manoel, desertor.
            Vícios no convento: certamente, intenção do autor de criticar tudo o que ocorria no Convento de Viseu  quanto a vícios e corrupções, em contraste com a inocência  e dignidade de Teresa. O mesmo não acontece em Monchique onde a bondade das freiras é elogiada.
            Campestre: amizade e fidelidade dos habitantes. O autor demonstra sua preferência pelas pessoas mais simples retratando-as como pessoas boas e de confiança.

TEMPO CRONOLÓGICO
O tempo, os acontecimentos são em ordem cronológica, de forma linear. A história começa com o casamento dos pais de Simão em 1779 e termina com a morte de Simão em 17 de março de 1807.  Por diversas vezes o narrador menciona datas o que reforça a verdade dos fatos.
Na passagem que João Cruz narra como matou um homem ele volta no tempo. Outro fator são as cartas trocadas entre os jovens apaixonados. Essas cartas determinam o processo narrativo por comunicar as decisões das personagens.  No início do livro há um regresso no tempo em que o autor apresenta o enredo. A introdução apresenta um tempo de quarenta anos.


TEMPO PSICOLÓGICO
           
            O tempo psicológico pode ser observado nas passagens retratadas de Simão na prisão quando ele se desespera porque o tempo parece uma eternidade e por isso prefere ir para o exílio. Pois em um país estrangeiro, poderá ver o céu.
 Pode-se considerar o tempo psicológico mais importante já que, determina a escolha de Simão pelo degredo. Essa atitude do jovem  leva Teresa ao desespero por achar que ele não voltaria, e mesmo se voltasse não conseguiriam se reencontrar. O sofrimento de Teresa aumenta com essa ideia o que pode ter precipitado a sua morte.


CONTEXTUALIZAÇÃO

            Camilo Castelo Branco mostra uma visão da sociedade de sua época, como por exemplo, moral vigente. Discute a questão do casamento por encomenda. O casamento estava mais voltado para um acordo financeiro do que para a busca da felicidade. Discute ainda, o poder da burguesia que tem força para mudar as leis, ao seu interesse. Exemplo o caso da prisão de Simão, quando seu pai procura salvá-lo da morte usando seu prestígio como corregedor.
            A igreja é vista de forma negativa. Teresa quando pensa que vai encontrar a salvação no convento, se depara com a falsidade, com as intrigas e, com os vícios das freiras.

PASSIONALIDADE
           
            É comum na obra de Camilo Castelo Branco, o tratamento de amor entre jovens. Amor profundo, criado em expressão trágica, características de grandes paixões vividas pelas personagens, cuja maioria encontra força de luta superior àquela que se poderia esperar, o casal de amantes, procuram a todo custo, a felicidade; porém acabam encontrando grandes empecilhos para a realização do amor; e geralmente diante da impossibilidade, a paixão é vencida pela morte, característica do chamado romance passional.
Trechos:
“Baltasar Coutinho lançou-se de ímpeto a Simão. Chegou a apertar-lhe a garganta nas mãos; mas depressa perdeu o vigor dos dedos. Quando as damas chegaram a interpor-se entre os dois, Baltasar tinha o alto do crânio aberto por uma bala, que lhe entrara na fronte. Vacilou um segundo, e caiu desamparado aos pés de Teresa.”
 “Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pôde segurar Mariana, que se atirara ao mar.[…]”.
 “Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços […]”.

  CULTO Á NATUREZA­­
            Todos os elementos naturais têm significado poético: as horas do dia, as estações do ano, o sol, a lua, o mar, a montanha, a floresta e o campo. O estado de alma romântica pode ser encontrado em qualquer época, caracterizando-se amor à natureza, a personalidade sonhadora, a fé a liberdade o saudosismo e a emoção.
            […] “um dia lindo, Refletem-se do azul do céu os mil matizes da primavera. Tem aromas o ar, e a viração fugitiva dos jardins derrama no éter as aromas que roubou aos canteiros, Aquela indefinida alegria, que parece reluzir nas legiões de espírito que se geram ao sol de março, rejubila a natureza que, toda pompa de luz e flores, se está namorando do calor que a vai fecundando.”

 ESCAPISMO ROMÂNTICO
              Para os românticos, o mundo real é sempre uma frustração de seus idealismos e sonhos, por isso criam, imaginam situações que lhe agradam.
            “Esquecido, não. Muito há que me reluz e voeja, alada como o ideal querubim dos santos, nesta minha quase escuridade, aquela ave do céu, como a pedir-me que lhe cubra de flores o restilho de sangue que ela deixou na terra. Mais lágrimas que sangue deixaste, ó filha da amargura! Flores são tuas lágrimas, e do céu me diz se os perfumes delas não valem mais aos pés do teu Deus que as preces de muita devota que morre santificada pelo mundo, e cujo cheiro de santidade não passa do olfato hipócrita ou estúpido dos mortais.”

 EGOCENTRISMO
             Vários artistas românticos colocam em seus poemas os sentimentos acima de tudo, destacando-os no texto. Pode-se dizer que o egocentrismo foge completamente da razão.
            “Simão Botelho levou de Viseu para Coimbra arrogantes convicções da sua valentia. Se recordava os chibantes pormenores da derrota em que pusera trinta aguadeiros, o som cavo das pancadas, a queda atordoada deste, o levantar-se daquele, ensanguentado, a bordoada que abrangia três a um tempo, a que afocinhava dois, a gritaria de todos, e o estrépito dos cântaros afinal, Simão deliciava-se nestas lembranças, como ainda não vi nalgum drama, em que o veterano de cem batalhas relembra os louros de cada uma, e esmorece, afinal, estafado de espantar, quando não é de estafar, os ouvintes.”





sábado, 16 de janeiro de 2016

O EXEMPLO E A IMPUNIDADE

            A prática da corrupção, no Brasil é tão comum, que o assunto já se banalizou. Existem piadas que afirmam a sua ocorrência desde o inicio da colonização. Uma das características do brasileiro é não levar a vida tão a sério, encarando os problemas do dia a dia com bom humor e leveza. Até aí tudo bem, mas o humor que se atribui à questão da corrupção criou uma imagem do ato que não condiz com a sua real natureza.
            A conhecida “Lei de Gerson” ou o “jeitinho brasileiro” são conhecidos, inclusive no exterior, trazendo uma conotação negativa dos brasileiros, mas que infelizmente, são verdadeiros. Pessoas cometem ações, infrações, pequenos delitos, e corrupções, e o que é pior, não se dão conta de que estão fazendo algo errado. Na verdade, se vangloriam porque são espertas, porque passaram na frente de alguém.
            As práticas de corrupção nos grandes escalões da política e do empresariado, no Brasil são tão absurdas, grandes, e envolvem tanta gente, que a população não consegue acompanhar, dimensionar o estrago que faz, o mal que causa na vida dos brasileiros e do próprio país. Há alguns anos, antes que fosse implantada a democracia no país, já existia, e muito, a prática de corromper por dinheiro ou favores. Porém, não era noticiado. Atualmente, com o novo sistema político, parece que está mais fácil descobrir e punir os praticantes da corrupção. Isso no meio político e empresarial.
            Ao brasileiro comum que pratica atos condenáveis, nenhuma punição. Pessoas assim acreditam que se os outros fazem, posso fazer também.  Eles se espelham, no político que rouba milhões, e em qualquer um  que rouba centavos. Às vezes, nem precisa disso, rouba por graça, por se considerar com mais direito que o outro, por hábito. E fala mal de qualquer ladrão, condenando qualquer um que se descubra. Rouba, mente, engana, prejudica, mas se vê como um  cidadão do bem cumpridor de seus deveres. Então  há o exemplo e a certeza da impunidade
            Pessoas comuns, mas  que detém algum poder, político ou aquisitivo sabem que, por isso mesmo não serão delatados, nem pagarão de forma alguma por seus delitos, porque compram o silêncio de todos. Casos de pessoas que fingem estarem mal para serem atendidas primeiramente pelos médicos, que apresentam dados falsos param se cadastrarem nos programas sociais, que se dizem da raça negra e, portanto, com direito às cotas nas faculdades, sabem que ficarão impunes porque ainda que outros tenham conhecimento do fato, ninguém gosta de se envolver nesses casos.
            É bem possível que esse comportamento lamentável tenha sua origem, e agravado, com as práticas deslavadas dos corruptos, mas naturalmente que não justifica. E não se pode afirmar que as duas características citadas acima representam o brasileiro, porque não são todos assim.  São conhecidos casos de pessoas, bem humildes até,  que encontram grandes quantias de dinheiro e devolvem. E no dia a dia, sempre encontramos pessoas honestas, de bem, que têm como normas de conduta não prejudicar ninguém, mesmo desconhecidos.  

Lécia Conceição de Freitas

Escape
     A raça humana
     não pode suportar muita realidade.
     - T.S. ELIOT

 Conheço a distância
que vai entre o sonho
e a dura realidade.

 E conheço a fórmula
de amortecer o susto
e a queda do último piso.

Olhar sem crer lá fora
esse vidro que corta
e fechar, atrás de si, a porta.

 Plantar, como sempre faço,
essas flores no paredão do muro
para deslumbrarem os meus olhos.

 E, nessa lente distorcida,
em que capto a beleza,
mesmo aquela que não existe,

 ficar musgo sobre a rocha
— véu veludoso verde veludo —,
cobrindo essa faca que cega o corte.


Darcy França Denófrio, em "Ínvio lado". 


quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

As redes sociais e o ódio

 PODER REAL DE DESTRUIÇÃO

            Desde 2013, com os preparativos para a Copa das Confederações,  devido aos gastos com o dinheiro público e porque uma parcela da população acreditava que o país não estava preparado para esse evento, e com a insatisfação pelo aumento das passagens do transporte público, “estourou uma onda” de protestos, no Brasil. Com o apoio de milhares de participantes, os protestos se estenderam a temas relacionados a problemas sociais e ineficiência dos serviços públicos, entre muitos outros. Cada cidade que aderiu aos protestos, tinha a sua própria pauta.
Devido aos protestos do mundo real, foram verificados enormes prejuízos, em razão dos prédios e ônibus destruídos e danificados, casos de prisões por causa dos excessos, feridos e até morte. Em 2014 os protestos continuaram dessa vez devido à realização da Copa do Mundo, e em 2015, os protestos, agora com teor político, trazem uma verborragia obscena, porém sem violência.
Esses protestos foram conclamados nas redes sociais, onde os mais variados grupos combinaram as ações, segundo o noticiado na época. E foram verificados também nas redes sociais, nesse caso, com a mesma linguagem obscena e altamente ofensiva. Tornou-se praticamente impossível manifestar uma opinião sobre qualquer evento político, ou mesmo referente a temas sociais, principalmente racismo, religião, homofobia, sem que as pessoas contrárias se sintam ofendidas e revidam da forma mais violenta possível. Acredita-se que seria suficiente acender um estopim para a deflagração de uma guerra. Pessoas comuns, em uma rede social, podem manifestar seu rancor, e atingir milhares de pessoas, arrastando-as para o mesmo clima de ódio. Acredita-se, também, que as manifestações deste ano, tiveram volume, devido às conclamações das redes sociais. O ódio foi declarado abertamente, mas não houve violência. Pelo menos, não foi noticiado. Aliás, nas redes sociais, os protestos continuam no mesmo teor, com ataques  verbais do mais baixo calão.
Os primeiros protestos, citados acima, foram de uma violência absurda. No dia seguinte, as cidades pareciam praça de guerra. Houve conclamação, também pelas redes sociais, mas a violência aconteceu, em parte pelos motivos que levaram aos protestos e porque realmente a raiva das pessoas estava ali, no mundo real. Além disso, havia uma simpatia, pelos motivos que levaram aos protestos, de grande parte da população, que aderiu,  o que não ocorre nos protestos seguintes.
O que se pode concluir é que protestos no mundo real são mais destrutivos e podem até surtir efeito, como foi o caso de algumas mudanças reivindicadas nos primeiros protestos. Algumas das mudanças foram atendidas logo que possível outras de acordo com as possibilidades, mas comprovou a validade dos pedidos.
Considera-se que se esses pedidos fossem feitos nas redes sociais, ainda que por milhares de pessoas, não teriam sido atendidos. O que se pode  observar, ao longo desse tempo todo, é que muitos outros temas são relacionados nas redes sociais, e embora haja adesão de milhares, concordando ou refutando, não se percebe nenhuma mobilização de órgãos competentes ou instituições no intuito,  sequer, de analisar o que quer que seja.
Percebe-se, sim que  muitas pessoas que ficam o dia todo na internet insuflando uns contra  os outros, são inconsequentes, e,  talvez,  nem têm uma causa por que lutar. Não se importam realmente com os problemas existentes, querem apenas “causar”. As redes sociais e seus usuários são capazes de espalhar um ódio sem precedentes, terrível, capaz de  fomentar uma guerra, mas o que é real tem maior poder de destruição, e talvez por isso, mais visibilidade. Sendo assim, as reivindicações têm mais chances de serem atendidas.