quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A REVELIA


eu que passei a vida
e vi a vida passar
com seus risos
de boca escancarada
eu que vivi tão ímpar
no rol de pessoas
desalentada
agora sem ter porque
surge-me à revelia, o amor
cheirando a naftalina
mas agradeço que me surge um amor
cava-se o putrefato
de amores sentidos
vertidos
perdidos
oca-se o mundo
em sentida espera
há que ser feliz
Lécia Freitas






terça-feira, 18 de outubro de 2016

Das impossibilidades

eu que amo tanto a língua
que me enterneço
ante seus escritos
e me perco em sua poesia
tão explícita
não fui capaz
não encontrei o verbo
a palavra completa
que explicasse o meu amor
ou talvez, quem sabe
em sua completude
ele próprio
seja inexplicável

Lécia Freitas





sábado, 8 de outubro de 2016

A PALAVRA DITA


            
           Quando o conheci,  com a palavra perguntei --- quem é? E desde sempre já sabia. Antes que me falasse meu querer adivinhou. Que ele seria o que vim buscar. De tão longe, e ao mesmo tempo já estava dentro de mim.  Mas me diga, que culpa tenho se dele fiz meu caminho, quando era apenas minha margem, uma coisa dentro da outra.
            Eu já disse antes, o nome dele agora é mel lambente que grudou em minha língua. Que desse amor fiz meu abrigo, a razão. Andava ao redor dele como os bichinhos na luz. E minha alma cantava para esse amor como o vento canta no bambuzal. Eu olhava para ele e me via diluindo nesse amor.
             O meu amor é assim: muito além do real.  Ele cala qualquer palavra. O meu amor não chega: ele já está. Um amor assim, tramado, não é dito mas permanece em toda linguagem, seja das coisas, seja ele nos meus braços, na minha paixão. O meu amor vai estar sempre caminhando ao encontro dele e ultrapassa qualquer entendimento.
            Porque os sentimentos, assim com o “irremediável extenso da vida”, de que fala o poeta, não estão no real, nas rasuras. Tudo é achável no mais profundo, no que não é dito, no oco do vivente. E  isso se apresenta somente para quem busca.
            Como eu gostaria que agora, quando a natureza se queda diante da soalheira, ele se quedasse  diante do meu amor, e que um e outro dissesse tanto na mudez dos olhares, das mãos, do próprio corpo, e que tanto fosse dito, no real, ou não.
            Como eu gostaria que desde sempre ele percebesse o meu silêncio e o quanto de verbo ele atravessa. De quanto a minha alma transparece na signficação.
          Essa tristeza que vê em mim é por causa dessa dor. Como ser feliz se ele não está em mim? Depois que ele se foi nada mais nasceu em mim. De tudo que pode haver, nada há sem ele aqui. Apenas a solidão. Minha alma secou, emudeceu.. Tudo que eu queria é que ele estivesse aqui...como ser feliz assim dessa maneira?
Eu olho para o mundo e vejo as tristezas todas. Das coisas que vivi com ele, pratrasmente, essas não quero esquecer. É bom lembrar. Mas as de agora, essas pelejo pra esquecer. Mas o coração me alembra. E aí o mundo, eu olho para o mundo e é essa tristeza
           Mas esses lugares todos eu vivi ao lado dele. Eu vivi lonjuras no olhar dele, ainda vivo. Mesmo sem ele querer porque a saudade põe ele para sempre onde piso. Com meu amor eu lembro dele e me vejo nesse amor, que acreditei, eu acreditei!
            Nesta noite, eu queria poder gritar seu nome às estrelas...Eu queria gritar ao mundo e falar do meu amor! Porque dele sinto saudades, muitas saudades. E a saudade cavou seu escárnio em mim, despolinizou minhas entranhas, e riu, seu riso de morte, da minha dor...

                                                                                        Lécia Freitas













quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A CIRANDA DA VIDA




Hoje de manhãzinha passei pelo Bariri. E por causa da chuva desses dias percebi que ele renovou todas as cores. Dei-me o luxo de sentar num daqueles bancos, por um bom tempo. Fiquei observando a felicidade nas coisas, na natureza e nas pessoas que também estavam lá. Quando saio de casa não o faço como quem esqueceu o feijão no fogo. Observo tudo! Tento imprimir alguma alegria e guardá-la para mim. Olho para as pessoas no interno delas, quando me interpelam. Porque é no macio de si que elas se encontram. Tento entender onde está o equilíbrio da vida em cada um.
Eu fiquei ali parada, mas não me encaixava. Senti tudo que havia do lado de fora. Havia passarinhos, muitos passarinhos. Aliás, como há passarinhos no meu bairro. Talvez pelo tanto de verde. Pelo silêncio constante, já que não há trânsito. Ou porque as crianças daqui, devido aos iphones, desconhecem estilingues e arapucas, graças a Deus! Não deixa de ser um progresso. Torto, mas agradecemos. 
No Bariri, eles vivem em profusão. Pude chupar algumas das frutas que estão ali, à vontade, para eles. Eles chegavam bem perto, sem medo algum, confiantes. Saltitavam, entre as flores caídas, chamando companheiros ou simplesmente, treinando algum canto novo. Tudo falava a mesma linguagem. E eu, eu era estrangeira a ela. A linguagem do bem-estar, da paz de espírito.
Algumas crianças brincavam no parque. De longe eu ouvia as suas risadas, algumas vozes de adultos, decerto alertando alguma coisa, e novas risadas. Ouvia o barulho dos adolescentes nos seus skates velozes, lá na pista. As expressões de júbilo por alguma manobra. Vi as moças com seus trajes de última moda apropriados para caminhadas, e me perguntei se elas não estavam tentando chamar atenção de alguém com roupas tão vistosas. Na verdade, as mulheres estão sempre tentando chamar a atenção de alguém. E vi os velhinhos que passavam, também fazendo suas caminhadas. Mas tão devagar que nem sei se isso tem algum efeito funcional. Deve ter, melhor que ficar parado em casa, rezando, vendo tv, criando mofos. Também para que andar depressa? Talvez, na ânsia pela vida, que todos têm, tentam aprisionar o tempo, num momento em que todos correm. Tentam sequestrá-lo, ignorando-o, acintosamente, para que dure um pouco mais. 
Algumas velhinhas estão usando tênis bem coloridos, talvez buscando uma jovialidade. Ou talvez porque queiram, também, chamar a atenção de alguém, vaidosamente. Alguns casais de idosos andam de mãos dadas, numa demonstração explícita de carinho, de cuidado pelo outro, dos quais também sou estrangeira. 
Nessas horas, eu percebo como não me encaixo, não me encaixo. Eu sinto as coisas todas, tão perfeitamente como Deus fez. Seja no encrespar da água da lagoa, ou no andar peculiar dos patos. Eu vi o bailado das pétalas das flores caindo levadas pelo vento. Eu percebi a angústia de um pintinho piando sozinho e fiquei imaginando o que estaria fazendo ali no meio de um parque. Eu vi os cães passando com seu andar de quatro patas, tão sincrônicos, sempre de cabeça baixa ignorando os humanos. E vi os humanos, nesse mundo tão perfeito, ignorando os outros e talvez a si próprios, camuflando as próprias dores. 
Eu sinto tudo até à sua essência, e sou grata por isso. Eu vejo todas as coisas em seus lugares cumprindo seu papel, perfeitas e pré determinadas. Eu não. Eu não me encaixo. Sempre que tento, alguém me coloca para fora da ciranda. A ciranda da vida. E eu não encontro o meu lugar. Não percebo raízes, não encontro ressonância. E por isso as vibrações se perdem. Estão sempre soltas no espaço. A dor por se perceber dessa forma é funda, e fina. Não é como uma dor grossa, inteira, que você sente e quase pode pegar com as mãos e tirar dali. Como quem vai andando distraído e dá uma topada na pedra. Uma massagem no local, alivia. Essa dor , não. É fina como o motorzinho do dentista. Que vai chegando, toma conta de seus pensamentos e se instala.
 Penso que talvez seja meu Karma nesta vida. Mas se é para ser assim, Senhor, por que me fizeste dessa maneira? Por que não me fizestes mais rude, Senhor?




                                                                                             Lécia Freitas



segunda-feira, 3 de outubro de 2016

DIMENSÃO




            Como do aço mais cortante, de faca amolada, a palavra mais dura  ouvi: não me amava. Ainda desejei boa sorte, um novo amor...nem precisava, já tinha.
            Não posso dizer que lutei. É certo que eu me calava enquanto embranquecia minha espera. Como quem espera clareira em espessas florestas. Eu te olhava e me via crescendo nesse amor. Eu te ouvia e era doce o que acreditei.
            E para falar do meu amor eu inventei o verbo. Para as palavras eu criei canto e as mais lindas plumagens. Queria que o encantasse, que sentisse a força que vinha lá das entranhas e mesmo das rasuras do meu ser. Porque o sentimento, de tanto, veio para fora. É nessa hora que o vivente perde o rumo das coisas da vida. O sentir atropela. E não se sabe como dimensionar: com palavra ou com a dor fincada. É nessa hora que o vivente se quebra humilhado diante de uma força que não entende, que não tem recurso, que não tem unguento que alivie.
            Eu pensei o meu amor com as belezas todas, as mais finas, entremeado de fios de ouro, onde o sol brilha. Retinindo a palavra cheia de poesia. Como as estrelas que água do riacho rouba do céu mais lindo e azul, e que segue cantando cristalina como quem não quer nada. Só existir. Eu pensei o meu amor como quem para extasiado de delícias diante da moita de gravatá, amarelinho, cheiroso, no meio da tarde quente.
            Eu pensei o meu amor envolto em papel de seda. Mas não era para mim. Ele me olhou com seu olhar, seco, seco, feito um areal sem chuva. Olhou, sem encarar, porque secado de qualquer água. E até com suas unhas, por dentro, me mata. E segue repetindo, sem dó, nem por que, pela vida afora: você, não. Perdão, que me venha outra dor. Mas não essa!
            E agora, amiúde, o mundo fica assim: nesta tristeza só. Porque tem certas coisas que já vivi há tanto tempo que ainda  estão aqui comigo. Eu me lembro!
            As outras, de agora, tento esquecer.


                                                                                                Lécia Freitas