quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Nunca foi fácil! O brasileiro, aquele que trabalha e peleja para sobreviver, e que eleva a si e o país, o faz com dificuldades. Acho que somos mais pacíficos que outros povos. Ou passivos, sei lá. Acho que somos utópicos. Acreditamos sempre que tudo vai melhorar, que as coisas vão se resolver, que, no final, tudo vai acabar bem. E acaba porque somos nós que pagamos a conta. E nos adequamos. E tocamos a bola. Eu vejo os dias de hoje como os de décadas passadas. Sombrios, tenebrosos. Ja fui furtada, assaltada e não é uma experiência agradável. Porém, nada se iguala ao que está acontecendo. Essa impotência, esse aniquilamento da nossa existência, porque estão nos aniquilando, isso extermina nossa condição de brasileiros, de habitantes desse lugar, com direitos e honra. Absurdamente, nada é suficiente para manter o luxo, o requinte, o poder e até a luxúria. Usurpadores, canalhas, traidores! Já faltam em nossa Língua, que eu amo tanto, termos capazes de definir, de classificar, tamanha adjetivação. Vejo sempre com profunda tristeza a situação dos refugiados, esses que fogem da própria terra. Hoje, considero que a situação dos brasileiros é ainda pior. Porque são os daqui que nos tiram tudo. Não estamos sendo acossados por outros países mais fortes, mas pelos nossos, na pior forma de traição. Receberam votos de confiança de que iriam trabalhar pelo bem de todos. Mas estão acabando com o país. Pobre Brasil! Nasceu achincalhado e segue abortado em seu crescimento. Pobres brasileiros! Tiraram até a nossa crença de que flores vencem canhões. Não, não vencem. Apenas enfeitam. Canhões matam. Bombas, balas de borracha, spray de pimenta essas coisas, nao matam a carne. Pior: arrefecem o espírito. Matam a liberdade. Matam a esperança. Tiram a dignidade.

Lécia Freitas

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Apesar de tudo ainda acredito em alguma coisa. Não sou forte o suficiente para me manter de pé sozinha. E busco escoras em sentimentos bons, em algum amor que ainda posso sentir. Tenho mãos calosas, rugas, estrias até na alma. Disso tenho feito meu esteio. E só por isso, embora o sorriso seja uma máscara, há o que agradecer. Mas isso, isso doi mais que uma dor!


Lécia Freitas

sábado, 26 de novembro de 2016


Plagiando Pessoa digo: sou do tamanho que amo! Seja um ser, uma flor, uma ideia abstrata. Seja o amor. Porque é no amor que me agiganto. Que transbordo. Mesmo naqueles incompreendidos, mesmo naqueles inaceitados, não correspondidos. Meu amor nunca morre, apenas muda de feição, à procura de reciprocidade. à procura do que é geminado. Porque é preciso o reconhecimento, pelo objeto amado, diante de tanta entrega, diante deste infinito!


Lécia Freitas



Ainda sobre os passarinhos, hoje, assim que me levantei percebi um Fin-Fin, no meu quintal. Ele cantava! Mas, tão logo percebeu a movimentação voou para longe que não é dado a exposições. Não sem antes resgatar-me a memória de meu pai, que, um dia, nos apresentou. Ele sabia que eu os amava! Apesar de tudo isso, essa neblina, esse tempo, não te dá vontade de partir? Partir para uma ilha qualquer do Pacífico com gaivotas e ondas azuis?

Lécia Freitas



O ser humano passa a vida toda tentando ser feliz quando na verdade a felicidade não aceita arranjos. Por si, ela é espontânea!






Jardins de Copenhague, tudo organizado, à maneira humana, gosto não. Meu negócio é ali em Onça de Pitangui onde a natureza fez a festa e aquece meu coração! Gosto mesmo é do matinho despretensioso que nasce em qualquer canto e enfeita meu caminho!

Lécia Freitas



É preciso admitir as finitudes. Ter coragem para virar páginas, começar de novo... e de novo. Tirar as cascas inúteis. A felicidade pode vir devagarinho, mas tem urgências. Porque a vida é breve.


Lécia Freitas.



E minha alma dançava feliz ao som do riso dele. E nesse compasso o coração não percebia que ele é de todos os portos.


Lécia Freitas



A Terra é redonda, mas dela nada cai no espaço infinito do grande Universo.

O meu amor é pleno, não tem mensura nem forma geométrica.
Quando a Terra se acabar, o meu amor por você continuará em mim
Ou talvez se espalhe por todo o Universo.

Lécia Freitas



Porque o amor, ah o amor!...O amor que eu sonhei e inda não veio...Não foi jamais sonhado. Moldado com substâncias do infinito. Sua forma é por si só desfeita...


"O amor, este sentimento de luxo".

Lécia Freitas






Cada amor é um, e revela em seu dorso desejada paz de andorinhas, canto de bem-te-vis, cheiro de fruta madura.


Lécia Freitas



Amor espreita um descuido qualquer e nos assalta. Vai se aninhando devagarinho e quando se vê já tomou conta de tudo: do viver e do sofrer. E aí o vivente já não sabe se se alegra com o sentir ou se se acaba de tanto sofrimento!


Lécia Freitas



Rosa disse que o silêncio é a gente demais. Como sempre ele tinha razão! Quando alguém permanece em silêncio é quando ele mais diz. É um dizer sem se pronunciar. Mas para quem quer ouvir, um murmúrio que seja, esse silêncio vai lá no fundo e finca aquela dor que não tem sossego, que não tem recurso.


Lécia Freitas



A gente até tenta voltar ao ritmo, buscar o acorde perfeito,entrar na dança...qualquer coisa! Ou tudo! Porém, melodia como aquela, nunca mais. Talvez Macondo me ajude...Aguardo o próximo ônibus, ou balão. Quem sabe o próprio caminho...


Lécia Freitas




Porque não era vazio o que recebi! Tudo que vem a mim, recebo com plenitudes. Porque repleto é o meu coração que escorre em doces farturas. Vazios e secos eram os propósitos. Não fui eu que perdi.

Lécia Freitas



E para falar do meu amor eu inventei o verbo. Para as palavras eu criei canto e as mais lindas plumagens. Queria que o encantasse, que sentisse a força que vinha lá das entranhas e mesmo das rasuras do ser. Porque o sentimento, de tanto, veio para fora. É nessa hora que o vivente perde o rumo das coisas da vida. O sentir atropela. E não se sabe como dimensionar: com palavra ou com a dor fincada. É nessa hora que o vivente se quebra humilhado diante de uma força que não entende, que não tem recurso, que não tem unguento que alivie.


Lécia Freitas


Quero informar que, embora o inverno tenha começado há pouco tempo e que ainda esteja frio, já sinto um prenúncio de primavera, no ar, esta tarde. Paro um instante com a minha pesquisa e vou ao quintal ouvir dois pássaros que se comunicam, alegremente, através do canto. Na verdade, não sei se posso afirmar isso. Talvez seja a luz intensa dessa tarde de sábado, esse perfume de magnólias... Talvez o canto dos pássaros, que amo tanto... (Agora, há também um bem-te-vi! Bem no pé de goiaba! Meu Deus, como eles cantam!) Não sei se é realmente um estado de coisas ou se é apenas meu velho coração que não se envelhece e anseia por renovação!
Lécia Freitas

Nessa vida é preciso que haja um espaço para a tristeza que ela também faz parte. Que as lágrimas encontrem caminho e que lavem angústias renovando a alma assim como a chuva renova o tempo. Que haja o desespero como um furacão que arrasa e carrega tudo deixando o lugar para a esperança. E que na esperança haja ousadia. Porque a felicidade pode ser conquistada na simplicidade da rotina, das pequenas coisas cotidianas. Uma felicidadezinha mansa maneira... mas quando se ousa, quando se perde o medo, quando a vida adquire outro significado a felicidade vem verdadeira arrebentando o coração. E a gente até pensa que não vai aguentar...



Lécia Freitas

Nunca fui de firmar pactos! De absorver impressões. De significar o alheio. Estive sempre à margem do mundo. E assim negava a própria dor. Era uma defesa em vão. Porque ela não existia menos por isso. Apenas se camuflava. Foi se acumulando ao longo do tempo. Das parcerias que fiz, poucas, a que mais me satisfez e me trouxe alegria foi essa que tenho com os passarinhos. Sei que nos amamos. E toda vez que fui feliz eles estavam por perto, festejando. Realmente, motivo de festa. Tão raro!
Lécia Freitas
Esse viver à deriva não é opcional. O mundo nos impõe. As pessoas nos obrigam. A questão dos laços. Eu não temo os laços por medo dos nós. Sempre busquei amarras. Que nos prendem no outro. Deve ser muito bom voar a dois! Estar preso e livre ao mesmo tempo. Porque a liberdade é individual por ser absolutamente de dentro pra fora. E o amor também. O amor não existe sem a liberdade. Você tem que estar livre do mundo para poder amar, para se entregar. E é quando ele te prende que você mais voa.
Lécia Freitas

E eu repito que o nome dele agora é feito mel lambente que grudou em minha língua. Que desse amor fiz meu abrigo, a razão. Eu andava ao redor dele como os bichinhos na luz. E minha alma cantava para esse amor como o vento canta no bambuzal, como a água quando passa nas pedras. Eu olhava para ele ao longe e já me via diluindo!

Lécia Freitas


Não espere as pessoas irem embora para demonstrar o valor que elas têm. Da mesma forma, não espere pessoas perfeitas para entregar os seus sentimentos. Antes, tenha um sentimento bom e compartilhe com alguém que também o ame. Não despreze o amor de ninguém. Você não sabe se terá outro. Faça-o florescer! E seja grato, afague-o em seu peito, pois que você tem um amor! Já dizia Rosa: qualquer amor é um pouquinho de saúde, é um descanso na loucura.

Lécia Freitas



No momento exato em que coloco minha mão na dele e que as forças do céu e da terra se encontram na emoção que sinto, sabendo que tudo pode se acabar ali, mas que terei cumprido o extenso da minha vida! 

Lécia Freitas

REDENÇÃO


para além do fundo
existe o pré-sal
recuso-me a afundar
asas cortadas
e existe o pré-sal
nem os jardins pela janela
ceciliamente falando
ou no trem que atravessa
Divinópolis
Pessoa, ceda-me os rebanhos
quem sabe em Pasárgada
insisto em Macondo
num Sertão Grande
onde as miudezas
se tornam infinitas
na doce paz de Manoel.
Há que ser feliz:
agarro-me à poesia.

Lécia Freitas


Lécia Freitas

O que eu queria é que agora com o raio de sol

me viesse também um sonho
e um amor dentro dele
cavando o riso
tirando a ruga
alisando a alma...

Lécia Freitas



...eu não digo seu nome, mas se encontrar por aí, saiba que todos os meus versos de amor são para você.


Lécia Freitas


Se, segundo Nietzsche e Freud, eu não sou senhor em minha própria casa, está explicado porque minha razão, embora saiba da necessidade do esquecimento, debate-se ante a loucura irracional que traz sua imagética surreal à minha vontade. Sempre!


Lécia Freitas




Como eu gostaria que desde sempre você percebesse o meu silêncio e o quanto de verbo ele atravessa. De quanto a minha alma transparece na signficação.

Lécia Freitas




Não se envolva com coisas ruins, afaste-se delas. Quando for a hora com garotas, trate-as como princesas. Seja gentil com todas as pessoas. E se disser que vai fazer algo, faça. Sua palavra é o seu compromisso. Mas se não puder fazer, não diga que o fará. E nunca, nunca finja sentimentos.

Lécia Freitas


não fosse o ar de primavera
tépida e tons violáceos
tarde triste tarde
não fosse esse ar
de promessas
que traz seu cheiro no vento
seja o amor
que me vem
essa semana
nessa primavera
a vida toda

Lécia Freitas



quarta-feira, 23 de novembro de 2016

COMO A FLOR DO MARACUJÁ


           
            Damastor vem pela estrada sozinho com seus pensamentos. Pensa na mulher. Aflito para chegar. Sabe que ela o espera. O amor dos dois é uma coisa de doido. Tanto que ele nem quer ter filhos por agora. Quer a mulher só para si. Gosta de carregá-la no colo em noites quentes  para tomarem banho no poço. Ele lembra com desejo da mulher, nua, à luz da lua, com os dentes brilhando na escuridão. Quase ouve sua risada, enquanto lembra.
            Ele a conheceu na festa da quermesse no povoado e foi a sua risada que mais lhe chamou a atenção. Não, não foi a risada, foi o olhar dela, ele decide. Nas brincadeiras da quermesse ele manda um recado pelo Correio Elegante. Ela pergunta: - quem é? e quando se vira e o olha de frente ele vê o sol nos olhos dela. Um sol que a ilumina toda e que vai aquecê-lo pela vida afora. Ele respondeu se derretendo por dentro. Sente uma força que o arrasta como a de um caveirão lá da mata. -Eu sou Damastor! Ouve ela repetir seu nome docemente como nunca ouvira ninguém dizer. E vai ouvir sempre, agora, porque ela o faz pelo prazer de dizer o nome amado, de ouvir o próprio som do nome amado. Nunca mais se separaram. Estão irremediavelmente grudados para todo o sempre.
            Damastor sorri quando lembra da primeira vez. Sente o corpo crescer com as lembranças, mas se envereda cada vez mais. Tão bom lembrar!  Não sente o cansaço, a poeira do caminho, o sol quente que lhe queima. As lembranças vão chegando e ele separa as mais caras. Sente as mãos de Maria lhe pegando, passeando em seu corpo tão doces quanto impacientes. Sente a pele, morna, macia, com cheiro de araçá em flor. Ela toda é um cheiro. De todas as coisas. As coisas do mundo. E a boca tão fresca como manjericão... Damastor se perde novamente nos cheiros de Maria. E se entrega às lembranças como se entregou aquele dia e como acontece todas as vezes. Desde então não são mais dois, e sim apenas um. O amor deles está misturado em ambos, e às coisas da terra, do mato. Eles se sentem parte de tudo mesmo sem entenderem direito. E a felicidade é tão palpável, tão concreta e eles  nem se dão conta. Só eles e o mundo.
             Pensa nas muitas vezes em que ela o esperara na rede. Quando chega muito tarde ele a encontra dormindo. Sente o perfume da casa, tão cuidadosa, ela.
A comida deve estar lá, em cima do fogão, mas ele nem pensa nisso. Vai direto na rede e se encanta ao ver aquele rosto sereno num meio sorriso, talvez que esteja sonhando com ele. Ele se rende à morenice daquelas coxas e leva a mão o mais suave que pode. Tenta não acordá-la, mas ela sente a respiração ofegante dele. E o corpo todo se abre como a flor do maracujá em dias de chuva.
            Damastor sente-se bem com esses pensamentos. E agora do alto ele divisa sua casinha lá em baixo. Os grilos prenunciam o fim da tarde. Ele quase corre, doido para chegar. De longe ouve o som dela. Está na bica cantarolando. Ali, naquele chão não há muito barulho, só os da terra. E ele quer ouvir. Apura! Entremeado com os sons todos ele distingue a voz dela chorosa em canção de amor. Sente que ela o chama. É o chamado mais ardente que alguém pode ter. O chamado do seu amor! Ele se aproxima e a vê ali, entre suas coisas, a sua mulher dona de seu amor e de sua vida. Com o vestido de flores arregaçado mostrando as coxas que ele vai acarinhar. Com aquele corpo todo, quente, que ele sabe que lhe espera. Ele a chama  com os olhos, com a boca primeiro e depois com o corpo todo. Ela se vira como da primeira vez, já sabendo, agora, que é o seu homem que chega e se entrega àqueles braços, àquele abrigo. Até o oco do seu ser.


Lécia Freitas


terça-feira, 22 de novembro de 2016

O meu bem querer é ali onde o mato vira flor! O meu desejo é na dobra do lençol que guarda cheiro e suor. A minha risada ri junto da alegria do meu amor. O meu abrigo está no mesmo espaço de dentro dele! E ser feliz é ver a imagem que ele viu, e trouxe. Seja de onde for!

Lécia Freitas

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A PODER DA SAUDADE



           O Nhambu passa piando, tristemente. Maria ouve e por um momento para o que está fazendo. Apura o ouvido e associa o som ao tempo: a tarde finda e os bichos voltam ao ninho. Ela se dirige para a porta, olha o mundo, percebendo tudo, o próprio desalento e a incompletude. A tristeza vem em borbotões e ela se queda, sentada no degrauzinho, como tantas vezes fizera. Permanece ali, porém não espera mais. Sente-se coisa entre coisas, murchando, secando. Tudo ao seu redor, parece sentir também a falta do dono. O capim ainda viceja, mas já se percebe a secadura. O que Maria faz, apenas para sobreviver. Damastor era a razão, de tudo. Os braços dele, sua casa, seu abrigo.
            Neste fim de outono, a luz amarela crucifica o tempo. O frio que se anuncia não lhe dá alívio. O corpo sente o estado de coisas, sente a hora como a da chegada e se manifesta em saudade, enorme! Seu corpo queima, lateja como em febre. E finalmente vencido já não exige. Antes, clama, suplica! Prende entre as pernas o pano do vestido que está usando. Entre a pele e o algodão, o amor. Onde andará Damastor? Por que não vem buscá-la? Por que não vem tamborilar em sua vontade fazendo dela uma semeadura de um canteiro de flores? Ela espicha o olhar querendo ver além da curva. Busca ver além. Além até do entendimento.
            O vento no bambuzal lhe traz o shshshsh das folhas numa dança orquestrada. Vai ter chuva de madrugada. As dádivas da natureza, ela as recebe, mas não se encanta mais. Não tem mais pra quem dançar debaixo dos primeiros pingos. No céu que escurece, Maria divisa algumas estrelas. Sabe que são suas. Damastor lhe deu de presente numa noite, em que o céu espiava o amor que acontecia, grosso, quente, lá na beira d’água. Ele dizia que tudo na natureza falava do seu amor e que por isso era dela.
            Entre eles era assim! Tinha suavidade, tinha ternura, mas na maior par das vezes, a vontade, a fome pelo outro vinha como uma enchente avassaladora derrubando tudo, tomando conta de tudo. Maria recebia o corpo de Damastor como um bem, um agrado da vida, disposta a permitir a posse, a dominação. Mas, na verdade, quem dominava era ela. Porque, no seu colo, Damastor voltava a ser menino. Frágil, dentro da enormidade daquele sentimento. E no seu amor, imenso, ela se agigantava. Fazia-lhe todas as vontades. E enquanto lhe lambia o corpo, reavivava as almas. Dos dois! O que fazia, era para o prazer dos dois. As mãos de seu homem, fortes calosas, de repente, vestia luvas de seda, finissimas, só para fazer desenhos de amor em sua pele. À luz da lua, do sol ou na escuridão, o que fosse.
            A poder da saudade, Maria ainda encomprida o olhar através das coisas, do mundo, tentanto buscar o seu amado.Tentando com sua vontade dar vida e forma ao que lhe vai por dentro, ao seu grito de desejo. Onde andará Damastor? Por que não ouve seu chamado? 
            Faz tempo Maria não chora mais com os olhos. Faz tempo não enxerga mais as coisas. O cinza que cobriu tudo em si, aos poucos toma conta do mundo. Desde então ela não vive, existe. Ela não se toca mais, não se sente mais. A vida que antes era uma festa, pelos olhos de Damastor, aos poucos tornou-se um fardo. Agora nem isso. Apenas essa falta, nebulosa, que se esgueira em todos os cantos, tomando conta dos espaços, sufocando-a, tirando-lhe tudo. Até a própria solidão.
Lécia Freitas




sexta-feira, 18 de novembro de 2016

POR TANTO AMOR



            Eu poderia dizer que já te esqueci e mentir para mim mesma, mas cá estou eu, novamente, buscando rimas e verbos para falar de você, de tudo isso que vai escorrendo, inda que eu não queira e negue, já enfeitando as palavras, cobrindo-as de plumas e cantorias, para te encantar. Com metáforas, hiperbóles, e metomínias de que sou capaz, para que o mundo todo ouça e que você creia.
            Eu fico aqui abrindo os caminhos e enfeitando com flores e ramagens para você seguir os meus passos para dentro de mim e nunca mais sair de lá. Você que foi, por um tempo, o meu próprio caminho, porque todas as minhas direções me levavam até você e a minha vontade colocava seus rastros em meus pés.
            Eu ainda fico aqui buscando as imagens que eu sei que você gosta e penso que você também as viu e que eu poderia salvá-las só para imaginar que posso lhe mostrar um dia, se voltar. E aí eu vou lá nas suas fotos e fico te olhando com um carinho e uma saudade que não tem fim e novamente passo meus dedos entre seus cabelos despenteando-os, fingindo que esse meio sorriso ainda é meu, como num sonho. Mas estou acordada e pego sua imagem e coloco-o no meu colo com o meu peito doído de tanto amor. E de tanta saudade E passeio com meus dedos em seu corpo fazendo tatuagens, tentando imprimir em sua pele toda a emoção que me vai na alma e que não há poder neste mundo que apague, nem que modifique.
            Eu imagino correntes para prendê-lo a mim para que nunca se vá. Que sejam fortes e que se enferrugem com o passar do tempo, porque vai ser pra toda vida esse meu querer. Que não abro mão de viver a eternidade com você, nessa vida e em todas as outras se houver. E que vamos viajar ao redor do mundo por um minuto na minha loucura ou para sempre, seja na imaginação ou num tapete mágico das mil e uma noite do era uma vez. E que vamos encontrar a felicidade em nós mesmos por nos amarmos mais que tudo, e que deixaremos de ser dois ao cavar um ao outro e nos encontrarmos um no outro já transformados por tanto amor. 
            Cá estou eu cheirando o mundo tentando te encontrar mas já sabendo que nem todos os aromas de fruta madura vão trazer você para mim. Novamente aqui estou eu, relendo tudo que me disse, os versos e versos que falam o que nunca pensei ouvir, e que agora não ouço mais e que por causa disso as maritacas migraram -se de vez e a sinfonia foi terminada e todo o resto silenciou, silenciou. 
            Cá estou eu gritando ao mundo e aos céus tudo que sinto, porque acredito que por um minuto fiz parte disso, e era verdadeiro, e era real, seja lá o que for, e que esse minuto valeu a pena, pois que visitei o Olimpo e que somente isso importa realmente. 
            E que o mundo inteiro e todos os deuses saibam que você foi o meu imaginário mais bonito, que seu nome ainda está em todas as minhas coisas e que minha alma busca a sua a todo momento. E que você continua sendo o instante onírico de mim mesma.
Lécia Freitas



domingo, 6 de novembro de 2016

DE TUDO QUE EXISTE

        

            Não tenha a pretensão de achar que a sua verdade é a única, e a verdadeira! Fazendo isso, você estará negando a existência do outro. Porque somos nossas verdades. E você incorre no risco de  também ser negado já que somos o outro.
            Não acredite que aquilo em que acredita como ponto e referência de sua vida está pronto e acabado e é imutável. Nada é imútavel. Todas as coisas, as ditas, as não ditas, as concretas e as  abstratas, estão em constante mudança e efervescência. E devem ser assim, senão o mundo, a vida, seriam muito chatos. E tudo que existe lá fora, e aqui dentro, recebe a  influência de todos. Porque é o homem que muda as coisas. Todas as verdades, as estabelecidas, e aquelas que ainda virão. Para essas,  ele prepara tanto a semeadura quanto o celeiro.
            Mesmo o que já foi dito, e comprovado, pelos grandes da Antiguidade e agora pelos contemporâneos, é redito de acordo com a interpretação e necessidade de cada um. É comum se deparar com ideias já consagradas em falas de pessoas simples e aí você percebe que o que deve  ser verdadeiro quanto à dignidade e caracteres humanos não tem autoria, não tem procedência.
            Muito do que é declamado como norma de vida e que já foi amplamente divulgado, é a verdade de pessoas que nunca ouviram falar em normas e procedimentos éticos. O que comprova a existência de verdades, independente da vontade de alguns. Está na essência da pessoa. Muitas vezes o real está no não dito, por trás do escrito. Mesmo nesses tempos de comunicação.
            Portanto, se existem muitas verdades, isso significa que não são imutavelmente únicas e verdadeiras. Transformam-se de acordo com a realidade de cada um. Na verdade, a única certeza que temos é a da finitude de todas as coisas. Até das verdades. E das realidades. Que não acabam,  transformam-se.
             Quanto à morte de nós mesmos, isso não pode ser encarado como finitude. Temos as doutrinas que falam em vida pós-morte. E como duvidar? “Vai que...né!” Além disso, sabemos que quando amamos alguém e que ele se vai, fica a lembrança  desse alguém em nós. O que é uma forma de vida.  E essa é uma verdade que perseguimos, enquanto o coração dita. Já disse em outro texto que, para mim, a morte só alcança esse status de completude quando permitimos. Quando matamos o outro, até as lembranças, dentro de nós. O ser, o concreto, também não se acaba. Sabemos que voltamos ao pó de onde viemos. Aqui, também, comprova-se a existência das muitas verdades e de como elas se adequam às realidades de cada um.  É o que acontece com os grandes artistas, os pensadores, os profissionais,  e toda a espécie de  homens, os bons e os maus,  que se mantêm vivos por seus feitos, suas obras, seus pensamentos. E suas verdades.
             O alcance das coisas e das ideias só existem se houver a permissão do ser. Podemos negar a sua existência em nós o que é uma forma de morte. O que coloca em dúvida todas as verdades.
            Da mesma forma, o que é vivo dentro de mim, pode nunca ter existido para o outro.

Lécia Freitas




O VAZIO DO MUNDO


Ali, naquele lugar do mundo, não há muito o que fazer. Poderia ter, mas o que importa? O tempo se arrasta numa enfiada de horas, de dias, de tempo. Maria olha as coisas ao seu redor. Como tudo ficou imenso, meu Deus! Onde está o que preenchia tudo isso? Ela sai andando como se quisesse com isso apagar das lembranças o que não tem recurso. Porque elas vão junto, onde quer que vá. Acompanham e cravam os espinhos, cada vez mais. 
Ela busca os rastos do seu Damastor em tudo que vê, nas coisas todas da vida. Os matinhos da beira do caminho ainda são os mesmos. Ela evita pisá-los, porque os ama, e porque lembra do que ele dizia: mato também tem direito de viver. 
Não se pode dizer que há silêncio ali: a natureza toda grita. Ela ouve, misturada a tudo, a voz dele cochichando em seu ouvido tentando, instigando. Mais que a vontade, sente a presença dele em todas as coisas. 
As flores! Que ele lhe ofertava! Não apanhava, deixava-as no pé, mas dizia que todas eram dela. Um presente, um mimo do seu homem, todas as vezes que andavam pelos matos. Tinham esse mania, nos fins de tarde como agora.
 No pé de manga não há frutos, não é época ainda. Mas os moradores estão lá, celebrando. Sozinha, ela ouve todos os sons, numa saudade infinita e sente os cheiros, mesmo quando não há. Aperta o passo sem ter por que, como fugindo da tristeza, até alcançar a divisa da cerca. Lá embaixo está o corguinho. Ainda longe, Maria ouve o barulho da água entre as pedras, os grilos que chamam a noitinha. Revê nitidamente tudo que sempre via. Até os insetos em sua profusão, voando em todas as direções. Brilhando as asas com o sol que rebrilha, lembrando que a vida pode ser bela. Ficavam os dois ali, nuinhos brincando, brincando... Ela não ouve a risada dele. Ele quase nunca ria. Mas ouve, como em um sonho, a dela: clara, cristalina, aberta. Meu Deus, como era feliz!
 Caminha na água rasa tentando um refrigério. Sente os respingos no corpo quente, latente, que clama... molha a nuca, o rosto, tentando fingir que é o sol ainda quente. Assim, engana o próprio coração. Ela sente o vento despenteando seus cabelos e imagina as mãos fortes, ao mesmo tempo tão mansas, que faziam isso. Que a rodavam pela cintura obrigando-a a dançar uma dança de pura felicidade, de todos os tempos. Fecha os olhos ali, deitada na grama, num fim de mundo, ainda que dentro de si mesma. Ouve tudo, vê tudo e mente a própria solidão. Porém, à noite, quando tudo se aquieta, não há como disfarçar. Faz tempo deixou de olhar a lua. Faz tempo deixou de olhar muitas coisas. Evita assim mais sofrimento. Não percebe, ou se percebe não manifesta, a morte lenta, inexorável por rejeitar as emoções. Tenta escolher os pensamentos, entre os muitos que lhe vêm, da mesma forma que escolhe um vestido ou outro. Não se dá conta, e se dá não se importa, de que pior que o sofrimento é a própria negação. 
Maria ainda fica ajeitando uma coisa ou outra, tentando diminuir as horas, passar o tempo. As lembranças, nessa hora, não ajudam. É como um punhal que finca sem matar. É uma dor que desatina, que não há unguento que dê jeito. Sozinha, no canto do quarto, sentindo-se coisa entre coisas, ela vê o quanto tem de inútil tudo aquilo. Não tem medo de recomeçar, mas sente muito pelo que foi, pelo que poderia ter sido, pelo que não voltará. A cama ficou enorme com todo aquele vazio. Às vezes, fria de trincar os dentes; às vezes, um calor que a faz rolar em todas as direções. Todo o seu ser busca Damastor. As madrugadas são longas, insones, tristes. Maria apenas espera um novo dia, igual ao que passou, ao que virá. Igual, igual...

Lécia Freitas